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Rondônia, domingo, 12 de maio de 2024.

Saúde

Colômbia toma medida inédita para quebrar patente de remédio contra HIV


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Governo convoca interessados em usar licença compulsória para produzir ou importar o antirretroviral dolutegravir; Caso pode abrir precedente para que Brasil e outros países façam o mesmo

O governo da Colômbia deu um passo histórico na direção de emitir pela primeira vez uma licença compulsória para que um medicamento usado no tratamento de HIV possa ser produzido ou importado sem a barreira das patentes, ampliando de maneira significativa o acesso ao tratamento.

Na última sexta-feira, a Superintendência de Indústria e Comércio colombiana tornou públicos os requisitos para os interessados em utilizar a licença compulsória para fabricar a versão genérica do medicamento dolutegravir, dando um prazo de dez dias para que manifestem seu interesse. Após a revisão das propostas, o governo poderá emitir a licença compulsória.

A emissão da licença, conhecida popularmente como quebra de patente, permite que o medicamento seja adquirido pelo governo colombiano sem a necessidade de autorização da fabricante, a empresa ViiV Healthcare (uma aliança empresarial das farmacêuticas GlaxoSmithKline, Pfizer and Shionogi). O comunicado do governo também define o montante das compensações (royalties) a ser pago à empresa pelo uso do dolutegravir e estabelece que a licença não compulsória terá efeito até pelo menos 28 de abril de 2026 ou até que as patentes de dolutegravir permaneçam vigentes, as razões de interesse público que embasaram a decisão de conceder a licença persistirem enquanto os objetivos de ampliação de acesso ao tratamento não forem alcançados.

Com a medida, o governo da Colômbia está utilizando um mecanismo legítimo reconhecido por leis internacionais. A decisão foi tomada depois de o ministro da Saúde da Colômbia, Guillermo Afonso Jaramillo, ter recebido pedidos de mais de 120 organizações da sociedade civil, acadêmicos, especialistas em saúde pública e ativistas para a ampliação do acesso ao dolutegravir.

O medicamento é recomendado como parte do tratamento de primeira linha para pessoas que vivem com HIV, inclusive para gestantes, de acordo com orientações da OMS (Organização Mundial da Saúde). Médicos Sem Fronteiras (MSF) utiliza um regime de tratamento de primeira linha baseado no dolutegravir em diversos programas de AIDS/HIVe observa como os pacientes apresentam menos efeitos colaterais e um menor risco de desenvolverem resistência ao fármaco.

Em contraste, em muitos países onde MSF atua, o acesso a versões genéricas mais baratas do dolutegravir permanece um desafio. Na Colômbia, devido a barreiras de patentes e preços altos, MSF não conseguiu incorporar o dolutegravir aos seus projetos médicos. Ainda que a ViiV tenha fechado um acordo no âmbito do MPP (Medicines Patent Pool) para reduzir o preço do dolutegravir em alguns países, a Colômbia e vários outros países de renda média foram excluídos do acordo, permitindo que a empresa mantenha seu monopólio e preços altos.

O licenciamento compulsório vai remover as barreiras de patente na Colômbia e permitir o acesso a versões genéricas mais acessíveis do dolutegravir a todas as pessoas que necessitam, incluindo a possibilidade de que MSF introduza o medicamento em seus projetos no país.

Outros governos, inclusive o brasileiro, já usaram o mecanismo de licenças compulsórias para endereçar entraves de acesso a medicamentos, incluindo a correção de práticas anticompetitivas ou a facilitação do processo de compras de medicamentos por governos. Apesar disso, a ferramenta é subutilizada como instrumento de avanço no acesso a medicamentos, em grande medida devido ao lobby pesado que as corporações farmacêuticas fazem junto a governos contra a utilização do mecanismo. A ação da Colômbia é, portanto, um exemplo encorajador para que outros países da América Latina, e também fora dela, possam implementar licenciamentos compulsórios para ampliar o acesso a medicamentos.

Francisco Viegas, Medical Innovation Policy Advisor, MSF Access Campaign:

“É uma conquista importante a Colômbia ter dado esse passo sem precedentes e chamado fabricantes e provedores para que forneçam versões genéricas do dolutegravir às pessoas que necessitam deste medicamento, vital contra o HIV. Trata-se de uma sinalização forte de que ainda é possível colocar as pessoas e a saúde pública em primeiro lugar.

Esperamos que as autoridades colombianas analisem rapidamente nos próximos dias as propostas apresentadas. Assim que esse processo for concluído e a Colômbia emitir a licença compulsória, o governo poderá ampliar o acesso a versões genéricas mais acessíveis do dolutegravir e salvar mais vidas. Por isso, conclamamos outros países a seguirem o exemplo da Colômbia: No caso particular do Brasil, o país está enfrentando entraves para a disponibilização de versões genéricas acessíveis do dolutegravir, apesar de o país contar com capacidade de produção, por causa do bloqueio de patentes. Por isso, a emissão de uma licença compulsória permitiria acesso a versões genéricas mais acessíveis deste medicamento e poderia mudar substancialmente para melhor a vida das pessoas que vivem com HIV no Brasil.”

Luz Marina Umbasia Bernal, diretora da Corporação Global Progresso Humanitário Colômbia:

“A materialização de uma licença compulsória para o dolutegravir é um passo na direção correta e uma conquista para a Colômbia e a América Latina depois de muitos anos promovendo o uso efetivo de salvaguardas de saúde para outros medicamentos essenciais para HIV, câncer, hepatite e até mesmo para tratamentos contra a COVID-19 durante a pandemia.

Esta ação abre um precedente para outros países e traz esperança para muitos que não têm acesso aos medicamentos de que necessitam. O uso apropriado destas salvaguardas contribui ainda mais para a sustentabilidade de longo prazo de sistemas de saúde ao assegurar acesso equânime a medicamentos, em linha com os Objetivos da ONU de Desenvolvimento Sustentável em Saúde e Bem-Estar. Também reafirma o direito de usar essas flexibilidades do acordo TRIPS.”

Peter Maybarduk, director para acesso a medicamentos da ONG Public Citizen, de Washington, D.C.:

“A Colômbia está levantando a bandeira da equidade global em saúde, após as mortes e a injustiça vivenciadas durante a emergência da COVID. Isso deveria ser uma inspiração para uma ação regional que enfrente as barreiras de patentes e incremente o acesso a tratamentos, na direção de uma geração livre da AIDS. Fabricantes de genéricos podem agora utilizar a licença para fornecer dolutegravir acessível na Colômbia, usando a concorrência para reduzir os custos e atender às necessidades de saúde.”

Fonte: Médicos Sem Fronteiras

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