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Rondônia, domingo, 28 de abril de 2024.

Exame

O detalhe que afasta Azul da Latam: R$ 15 bi em dívida fora do balanço


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A euforia dos investidores de varejo com uma eventual tentativa da Azul de comprar a Latam, que está em recuperação judicial nos Estados Unidos (Chapter 11), não encontra respaldo entre analistas especializados no setor de grandes instituições financeiras. Bem o contrário. Há um enorme ceticismo tanto da chance de sucesso do negócio quanto da capacidade financeira da Azul de viver essa combinação. O principal fator que tira a fé dos especialistas é a dívida da companhia fundada por David Neeleman, com seus R$ 15 bilhões a mais, que “estão fora” do balanço.

“A empresa ainda não garantiu a casa própria e está anunciando que vai comprar o sítio no interior”, comentou um analista. A companhia fundada por David Neeleman, quando apresentou seu balanço trimestral, reportou uma dívida de R$ 14,1 bilhões para arrendamento de aeronaves, ao fim de março. Entretanto, o saldo a ser efetivamente desembolsado é de R$ 29,5 bilhões. Esse é o tamanho dos pagamentos com os quais a empresa realmente tem de lidar.

Onde estão esses mais de R$ 15,4 bilhões, então, se não na demonstração de resultado? Nas notas explicativas — ou seja, na letrinha miúda das informações trimestrais. Quando a nova regra da contabilidade internacional trouxe o leasing dos aviões para dentro do resultado das companhias aéreas (o tal do IFRS 16), permitiu que a taxa de desconto usada para registrar os compromissos a valor presente se ajustasse a cenários adversos. Nada mais adverso do que uma pandemia.

Pois bem. No primeiro trimestre de 2020, a Azul descontava o saldo de arrendamento de aeronaves a 8%. Com o início da pandemia, esse percentual subiu para quase 22%. Entretanto, tal índice não tem efeito caixa. A empresa segue comprometida com o valor cheio.

De janeiro a março, a receita líquida da Azul recuou quase 35% na comparação anual, para R$ 1,8 bilhão, e o Ebitda teve queda ligeiramente superior a 80%, para R$ 130 milhões. O prejuízo aumentou mais de 15% e superou R$ 1,1 bilhão.

Conforme analistas, na época da troca da taxa, a companhia afirmou que aplicou  ao arrendamento o mesmo “desconto” que seus papéis de dívida estavam sofrendo no mercado. “Mas, agora, os bonds já estão sendo negociados a preços bem mais razoáveis”, comenta um dos três profissionais ouvidos pelo EXAME IN.

O que mais inquieta os investidores é que a rival Gol subiu essa taxa de 8,6% para 12,1%. Portanto, no caso da empresa aérea controlada pela família Constantino, o valor presente dos acordos de leasing é de R$ 8,5 bilhões e o total, sem desconto, é de R$ 11,8 bilhões. “Por que uma usa 12% e a outra 22%? Não me parece ter sentido essa diferença”, diz um especialista, lembrando que quanto maior a taxa, maior o valor da dívida que “sai do balanço”.

Nas renegociações dos contratos de leasing devido à pandemia, Gol e Latam optaram por fazer um acordo em que pagam os arrendamentos de boa parte dos aviões por horas voadas nesse momento mais crítico, numa tentativa de ajustar custo à atividade em ritmo fraco. Já a Azul deslocou os desembolsos para o futuro. Com isso, em 2023 e 2024, tem quase R$ 4 bilhões a pagar em cada ano

Vai dar?

Os analistas do Morgan Stanley afirmam em relatório de quinta-feira, 27, que a reação de alta das ações — tanto da Azul, quanto da Gol (com dados de recuperação de atividade) — “parecem exageradas”. Ao tratar da Azul, Josh Milberg e Jorge Lourenção apontam que será “desafiador” para a companhia de Neeleman no Brasil cumprir com a projeção de um Ebitda “mínimo” de R$ 4 bilhões para 2022, que apresentou ao mercado.

Segundo eles, para que esse número seja possível, será necessário que o tráfego doméstico tenha uma expansão da ordem de 20% em relação a 2019 e o movimento internacional fique, pelo menos, estável nessa comparação. Isso porque 25% da capacidade da Azul está em voos internacionais e porque cerca de 50% de suas receitas dependiam de viagens corporativas antes da pandemia.

Dessa forma, os analistas estimam que será difícil de alcançar a projeção e que os preços atuais de bolsa parecem elevados. Os especialistas acreditam que tanto Azul quanto Gol estão já bem avaliadas ou até superavaliadas, portanto, caras. Ontem, dia 27, a Gol valia perto de R$ 10 bilhões e a Azul, R$ 15 bilhões.

O analista de uma gestora de recursos aponta que, em seus cálculos, a Azul enfrentará um déficit de geração de caixa entre R$ 2 bilhões e R$ 2,5 bilhões por ano entre 2022 e 2024, para lidar com seus compromissos, que vão desde o arrendamento dos aviões passando pelo juros da dívida financeira.

Mais pedras no caminho

Outra frente de dificuldade que desanima os analistas a respeito de uma eventual fusão é o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Ainda que as companhias possam apontar que a sobreposição não é relevante, juntas Azul e Latam teriam 60% de market-share no Brasil. Nenhum dos especialistas ouvidos pelo EXAME IN acredita que o órgão permitiria tal concentração.

Por fim, vale comentar que todos apostam que o clima de hostilidade entre as companhias já na largada vai dificultar um acordo, ainda que a aérea de Neeleman possa buscar se compor com os credores da Latam.

Fontes próximas aos credores entendem como positivo o interesse da Azul. Porém, há uma preocupação de que uma transação solucione apenas os compromissos ligados às aeronaves de uso doméstico — já que se considera como alvo de interesse da Azul apenas a ex-TAM — e deixem de fora um dos maiores problemas da Latam, os grandes aviões.

Há alguns credores comuns entre as empresas, como o fundo Oaktree, do lendário Howard Marks, que vão sempre ver um vento a favor. Para esses, uma eventual combinação resolve, ainda que seja apenas por um intervalo para garantir sua saída do investimento, duas de suas apostas no setor.

Só o tempo para dizer. Mas, os analistas do setor acreditam que os investidores que têm comprado as ações do setor na bolsa, em especial com essa aposta de consolidação da Azul e aos preços atuais, estão em um voo cego.

 

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Fonte: Revista Exame

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