Exame
Falta de contrapartida a gasto com auxílio emergencial gera insegurança
Ao permitir o pagamento do auxílio emergencial sem preocupação com o teto de gastos, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Emergencial deve resolver o problema imediato: liberar recursos o mais rápido possível para uma nova rodada do benefício. Mas o parecer preliminar do relator, senador Marcio Bittar (MDB-AC), não traz nenhuma garantia de contrapartida equivalente ao gasto que, segundo a Instituição Fiscal Independente (IFI), pode chegar a 34,2 bilhões de reais.
A PEC permite que o dinheiro seja liberado sem respeitar nenhuma regra fiscal — não precisa se ater ao teto de gastos, que limita o aumento das despesas do governo federal à inflação, nem à regra de ouro, que proíbe o endividamento para pagar despesas correntes. Sem indicação da fonte dos recursos, a dúvida é se haverá compensação suficiente, seja por meio dos gatilhos previstos na proposta ou por cortes de gastos posteriores.
Para especialistas, um dos problemas da proposta é que não há estimativa de quanto será possível economizar com as medidas sugeridas até o momento, como o congelamento dos salários de servidores públicos. Na versão preliminar do parecer, ainda passível de mudanças, não há detalhes do montante que o governo deixará de gastar com a suspensão de reajustes ao funcionalismo por dois anos após a calamidade pública, prazo previsto no texto.
O parecer cria gatilhos para conter o aumento de gastos, como a vedação de concursos públicos ou de promoções, caso as despesas correntes ultrapassem 95% das receitas. Mas medidas que poderiam gerar economia imediata não foram incluídas. Por exemplo, a revisão no abono salarial, estudada pelo governo, e a redução de jornada e salário de funcionários públicos. Segundo o diretor executivo da IFI, Felipe Salto, seria possível economizar até 20 bilhões de reais no ano com esse tipo de corte, a depender de quantos servidores fossem afetados.
A forma escolhida para viabilizar o novo auxílio, por meio de crédito extraordinário, garante mais agilidade na liberação dos valores, para que eles possam ser pagos a partir de março, como pretende o governo. A princípio, bastará o presidente Jair Bolsonaro editar uma Medida Provisória (MP), depois da aprovação da PEC, e o dinheiro poderá ser repassado. A outra opção, mais segura do ponto de vista fiscal, seria definir cortes no Orçamento suficientes para cobrir o gasto extra.
O problema é que a segunda alternativa demoraria mais e poderia se tornar uma discussão infrutífera — pela dificuldade do processo, não por falta de espaço no Orçamento para cortes, garante Salto. Ele aponta uma série de gastos que poderiam ser revistos: subsídios, reajuste de militares, renúncias fiscais e emendas parlamentares são alguns deles. “Daria um montante expressivo. O que falta é vontade de cortar. A negociação não está acontecendo nesse sentido”, observa.
Controvérsias
Se o governo optasse por cortar gastos, a discussão sobre onde eles seriam feitos seria longa e poderia atrasar a aprovação do Orçamento, acredita o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale. “O governo escolheu o caminho mais fácil”, diz. “O correto era compensar, mas fez assim por questão de timing. O risco que se corre é não achar nenhum corte para fazer. O governo pode assumir que haverá economia suficiente com o congelamento dos salários, mas isso não está bem calculado”, afirma.
A atualização da PEC Emergencial, segundo Vale, já era esperada. Sem ela, Bolsonaro não poderia liberar os recursos via crédito extraordinário, porque há critérios: só é permitido usar esse instrumento em casos “urgentes e imprevisíveis”. Como a pandemia de covid-19 dura mais de um ano, o estado de calamidade pública já acabou e o auxílio emergencial não é novidade, há dúvidas se o auxílio poderia ser encaixado nesses termos.
A PEC diz claramente que, no caso atual, não há necessidade de justificar a imprevisibilidade e a urgência. “É um texto que resolve o problema do auxílio, no sentido de permitir que o gasto seja feito sem observar as regras fiscais, mas não se sabe o tamanho do gasto, o número de beneficiários, o benefício médio. O auxílio é necessário, a questão é saber a dimensão dele, que não foi exposta”, aponta Salto.
Também gera apreensão a ideia de acabar com os pisos para gastos em saúde e educação dos estados e municípios, dispositivo incluído no parecer, alvo de muitas críticas no Congresso. Hoje, os estados devem destinar 12% da receita à saúde e 25%, à educação. Os municípios, 15% e 25%, respectivamente. Se a proposta for aprovada, não haverá mais essa destinação mínima. Ficará à critério dos governantes.
“A discussão dos gatilhos se perdeu totalmente. A PEC agora busca desvincular tudo para remanejar o Orçamento, para conseguir arcar com o novo gasto. Muito provavelmente, se a proposta passar assim, as áreas prejudicadas serão gastos sociais, saúde e educação”, avalia Vale. Com tantas polêmicas, na visão dele, “é possível que o Congresso aprove apenas a parte que libera a criação do auxílio”, deixando as dúvidas sobre a compensação em aberto.
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Fonte: Revista Exame