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Rondônia, sexta, 26 de abril de 2024.

Exame

Os limites do jornalismo


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Ao entrevistar Frederick Wassef, advogado do senador Flávio Bolsonaro, a jornalista Andréia Sadi se irritou. Como todos os brasileiros, Sadi quer saber o motivo de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, estar em uma casa no interior de São Paulo registrada no nome de Wassef.

O advogado disse que “o que está por trás dessas histórias envolve outras coisas que (sic) todo grande esquema, que está nessa história, que envolve as rachadinhas. Não dá pra falar tudo isso agora”. A jornalista retruca: “O Queiroz pulou o muro? Apareceu voando na casa do senhor? Ou foi levado por alguém?”.

A resposta: “Não vou poder avançar ainda hoje, mas eu vou falar tudo com muito prazer, porque a verdade é uma coisa que você vai gostar de ouvir. Fica tranquila, tá?”.

Sadi foi exaltada por muitos. Finalmente alguém com coragem de dizer o que estava engasgado! Respeito-a e sei que é uma profissional séria, mas sua postura com Wassef é o contrário do que se espera do jornalismo democrático. Queiroz não voa. Todo entrevistado tem o direito de responder o que quiser sem ser ironizado.

O voo hipotético do ex-assessor poderia surgir em uma comissão parlamentar de inquérito, por exemplo, sem problema algum. Agressividade faz parte do jogo político. Não do jornalismo. Afinal, quantas vezes Michel Temer (MDB), Lula (PT) e Jair Bolsonaro (sem partido) ouviram algo assim de um entrevistador? Não me lembro. A civilidade vale para todos.

Mais graves são os casos de José Roberto Guzzo e Kennedy Alencar. Em sua coluna no “Estado de S. Paulo” semana passada, Guzzo criticou o processo democrático. “Eleição direta, por mais que seja chato dizer isso, é um método muito ruim para se eleger o presidente da República. Não é uma questão de ponto de vista. É o que resulta quando se examina a lista de presidentes que o eleitor brasileiro vem elegendo desde 1960 – atualmente por maioria absoluta, e através do voto livre, universal, direto e obrigatório de todos os cidadãos que têm mais de 16 anos de idade”, escreveu o ex-diretor da “Veja”. “Nesses 60 anos foram eleitos seis presidentes: Jânio Quadros, Fernando Collor, Fernando Henrique, Lula, Dilma Rousseff e Jair Bolsonaro. Que tal?”.

Para ele, “o grande problema de eleição é que quem tem mais voto ganha – e não há a mais remota garantia, ou talvez nem mesmo a probabilidade, de que os que têm mais votos sejam os melhores”.

Raciocínio estranho, pois desagua na ideia de que há políticos objetivamente “melhores” do que outros. Guzzo talvez ache que um político corrupto que não combata a desigualdade no país seja melhor do que um político corrupto de esquerda.

Se o que ele quer é um político honesto, toparia um desses que levasse o Brasil a uma taxa de desemprego de 25%? Não há escolha fácil. Pior ainda é sugerir, como Guzzo faz discretamente, que analfabetos não devem votar. Assim a desigualdade política voltaria a ser institucionalizada.

Por fim, Kennedy Alencar não gostou de alguns tuítes de Luciano Huck (sem partido), provável pré-candidato à presidência em 2022. Não tinham nada de polêmico. Huck citava Oscar Wilde. Alencar ficou bravo: “Você é um babaca oportunista. Não merece participar do debate público. Canalha!, como diria Tancredo, avô do seu comparsa. Canalha! Você apoiou Bolsonaro”, escreveu.

Chamar de “canalha” é do jogo. Arrisca ser processado. Tudo bem. Mas dizer que Huck não merece participar do debate público? Mesmo que tenha apoiado Bolsonaro – não lembro disso, aliás –, Huck tem o direito de expressar suas opiniões como qualquer outro cidadão. Alencar não é o guardião do debate público.

Bom, melhor isso do que publicar mentiras (“fake news”).

(Este artigo expressa a opinião do autor, não representando necessariamente a opinião institucional da FGV.)

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Fonte: Revista Exame

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