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Rondônia, sexta, 29 de março de 2024.

Exame

Veja as diferenças entre o auxílio europeu e americano na pandemia


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Londres – Na região sudeste da Irlanda, a empresa de planejamento de eventos de Brian Byrne começava a enfrentar uma calamidade. Em meados de março, a pandemia do coronavírus se aproximava do pico de letalidade. Uma vez que o governo proibiu eventos como festivais de música, sua receita desapareceu, forçando-o a considerar a demissão de seus quatro funcionários em tempo integral.

Mas um programa do governo, organizado com rapidez, poupou o emprego deles. O Estado forneceu de 70 por cento a 85 por cento dos seus salários, permitindo que Byrne os mantivesse empregados.

“Estranhamente, não tem sido um momento estressante. Posso manter a equipe unida e motivada. Estamos basicamente fazendo tudo que podemos para estar prontos quando as restrições forem aliviadas”, disse ele.

Do outro lado do Atlântico, em Nova York, a pandemia custou a Salvador Dominguez seu emprego de agente imobiliário em Manhattan. Ele acabou se qualificando para uma expansão emergencial do seguro-desemprego federal, mas não antes de 72 dias de espera agonizante. Ele pegou dinheiro emprestado de amigos e familiares para pagar o aluguel, e catou comida do lixo de um supermercado.

“Como posso descrever?”, disse Dominguez, de 39 anos, respirando fundo. “Foi muito difícil. Eu não me sentia sozinho, porque sabia que muitas pessoas como eu estavam passando por isso.”

A pandemia devastou europeus e americanos, mas a dor econômica é bem diferente. Os Estados Unidos têm confiado em uma expansão significativa do seguro-desemprego, amortecendo o golpe para dezenas de milhões de pessoas que foram demitidas, com a suposição de que serão rapidamente recontratadas quando a normalidade retornar. Os países europeus – entre eles Dinamarca, Irlanda, Reino Unido, França, Países Baixos, Espanha e Áustria – impediram o desemprego ao efetivamente nacionalizar as folhas de pagamento, subsidiando fortemente os salários e permitindo que não fossem interrompidos.

À medida que os casos aumentam a uma taxa alarmante em grande parte dos Estados Unidos, a dependência de um sistema de desemprego sobrecarregado – a próxima injeção de dinheiro perpetuamente sujeita aos caprichos de Washington – deixa os americanos expostos a uma crise aprofundada. A Europa parece pronta para se reerguer da catástrofe mais rapidamente, assim que o comércio reabrir, porque suas empresas não precisam recontratar trabalhadores.

“Você apenas envia um e-mail, e é isso – já pode recomeçar. Não há recrutamento ou negociação”, explicou Jonathan Rothwell, principal economista da Gallup, empresa de pesquisa americana, e membro sênior não residente da Brookings Institution.

Alguns argumentam que as diferentes abordagens são funcionalmente equivalentes. Os contribuintes europeus dão dinheiro para os empregadores, que acabam pagando seus trabalhadores. Os contribuintes americanos estão fornecendo alívio mediante pagamentos de desemprego.

“Acho que é uma questão em aberto – qual deles será melhor em longo prazo. Eles podem ser mais parecidos do que todo mundo pensa”, disse Jason Furman, conselheiro econômico do presidente Barack Obama. Ele falou durante uma discussão recente com Stephanie Flanders, da Bloomberg.

Mas as conversas com os beneficiários da ajuda governamental na Europa e nos Estados Unidos revelam uma diferença substancial: em muitos países europeus, os subsídios permitiram que os salários continuassem sendo pagos sem problemas, poupando às pessoas a ansiedade de gerenciar as contas enquanto aguardavam ajuda. Para os americanos, os emaranhados da burocracia fizeram com que dezenas de milhões de pessoas inundassem o sistema de desemprego, derrubando sites, travando sistemas telefônicos e esperando durante horas em frente aos escritórios de benefícios.

Longe de ser um acidente, isso reflete os valores que animam o capitalismo americano, no qual as redes de segurança social são mínimas, deixando que as pessoas se virem com pouco auxílio. “A pandemia expõe o fato de que temos um problema no sistema. Um sistema em que 50 por cento das pessoas estão no limite não é um sistema resiliente”, destacou Joseph Stiglitz, economista ganhador do Nobel.

O Programa de Proteção ao Salário dos EUA tem semelhanças com os programas de subsídios da Europa. Ele direcionou US$ 520 bilhões em empréstimos a pequenas empresas por meio de bancos privados. Se os empregadores americanos limitarem as demissões, não precisarão devolver o dinheiro. Cinco milhões de empresas receberam financiamento, mas regras complicadas e falhas técnicas limitaram a participação mais ampla.

Washington também aumentou o benefício-padrão do desemprego em US$ 600 por semana, muitas vezes dando aos beneficiários mais do que ganhavam no emprego. Mas, ao exigir que os trabalhadores transitassem da folha de pagamento para o sistema de desemprego, o governo efetivamente fez com que as pessoas sofressem com atrasos torturantes.

Os dados do desemprego revelam como a pandemia afetou os trabalhadores americanos com uma força excepcional. A taxa de desemprego nos Estados Unidos subiu quase oito pontos percentuais desde fevereiro – registrou 11,1 por cento em junho –, enquanto a França, a Alemanha, a Irlanda e os Países Baixos limitaram o aumento da taxa em menos de um ponto percentual.

Para os americanos, os riscos são aumentados pelo fato de que a nação não possui um sistema médico nacional – uma característica garantida na Europa –, o que deixa a maioria das pessoas dependentes do emprego para ter acesso a tratamentos de saúde.

Por enquanto, os programas europeus estão protegendo os trabalhadores das consequências.

Na Espanha, a terrível disseminação do vírus levou o governo a ordenar a paralisação dos serviços não essenciais em meados de março. Isso ameaçou o sustento de Ana Ascaso, mãe de três filhos que trabalha como garçonete em um bar popular no centro de Zaragoza, uma cidade de 700 mil habitantes no nordeste do país. O marido estava desempregado fazia mais de um ano.

Poucas horas depois de anunciar o estado de emergência, o governo espanhol aprovou um programa de subsídio salarial. Ascaso e os outros oito funcionários seriam tecnicamente dispensados – com o bar esperando seu retorno –, enquanto o governo pagaria 70 por cento do salário de todos.

“Foi muito triste ver o aumento da taxa de mortalidade, mas senti que tive sorte, pois a única coisa com que tinha de me preocupar era com minha saúde e com a saúde da minha família”, comentou ela.

O bar onde Ascaso trabalha reabriu no fim de junho. As mesas estão mais distantes do que antes. Ela usa máscara para servir bebidas e tapas. “Para mim, o subsídio salarial foi um presente”, disse.

Na Irlanda, a abordagem dos subsídios salariais não impediu apenas que os trabalhadores contraíssem dívidas. Também manteve seu senso de coesão.

Ian Redmond opera várias boates e bares em Dublin, empregando mais de 100 pessoas. Ele abriu um bar em janeiro, pouco antes da pandemia, reunindo uma equipe especializada na arte do coquetel. O programa de subsídios salariais o poupou de ter de recomeçar. “O governo foi muito proativo”, observou ele.

Enquanto Byrne, da empresa de eventos, se prepara para uma nova era de apresentações musicais e espetáculos de comédia com multidões menores e distanciamento social, seus empregados conseguiram tocar a vida. Uma de suas funcionárias estava no processo de comprar uma casa.

“Se ela estivesse desempregada, teria muita dificuldade em conseguir um financiamento”, disse Byrne. Ela foi aprovada e a venda está em andamento – presumivelmente estabelecendo futuros negócios para carpinteiros, eletricistas e uma série de outros serviços sustentados por proprietários que recebem seu salário.

O governo irlandês procurou proteger empregos com duas medidas rápidas. A primeira, em meados de março, liberou pagamentos de 350 euros (US$ 395) a todos os que estavam desempregados, independentemente de seus ganhos. Depois, seguiu o plano de subsídios salariais, concordando em cobrir até 410 euros em salários por semana para empresas cujas receitas caíram pelo menos 25 por cento. Segundo Byrne, “esses dois esquemas realmente mantiveram o país aberto”.

A abordagem americana, em contraste, inundou o sistema de desemprego com pessoas em necessidade extrema, excedendo sua capacidade de atendimento.

Normalmente, Dominguez, o agente imobiliário de Manhattan, não se enquadraria no desemprego, porque era um trabalhador terceirizado. Mas a pandemia levou o Congresso a disponibilizar benefícios para freelancers e trabalhadores autônomos.

Quando inicialmente se inscreveu, foi informado de que precisaria ter benefícios estatais rejeitados antes que pudesse se qualificar para os benefícios federais – um requisito complicado e demorado.

Depois que Nova York pediu ao governo federal que mudasse as regras, Dominguez se inscreveu novamente por meio do site e foi informado de que teria uma resposta em 72 horas.

Os dias se transformaram em semanas e meses enquanto suas contas aumentavam. Ele ligou para todos os números de órgãos do estado que encontrou para falar sobre seu caso. Juntou-se a grupos no Facebook com outros trabalhadores desempregados aguardando ajuda e contatou seus representantes políticos.

Recebeu um cheque de US$ 1.200 do governo federal, complementando a quantia com dinheiro emprestado para pagar o aluguel de US$ 2.800 por mês de seu apartamento de um quarto.

Ele se inscreveu para distribuição pública de comida. Então, um amigo mencionou uma mina de ouro nessa época difícil: a Citarella, famosa fornecedora de frutos do mar frescos e outros tesouros gustativos, diariamente jogava fora a comida vencida. Ele começou a ir à loja depois do horário de fechamento, torcendo pelo lixo que poderia alimentá-lo.

Mais de dez semanas depois de ter solicitado o seguro-desemprego, Dominguez recebeu a notícia de que havia se qualificado.

Ele ainda aguardava seu primeiro pagamento – US$ 170 em benefícios estatais, mais os US$ 600 da ajuda federal –, mas o dinheiro já tem destino: pagar seus empréstimos.

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Fonte: Revista Exame

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