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Rondônia, quinta, 25 de abril de 2024.

Exame

Como o fechamento das fábricas da Ford no Brasil impacta o mercado local


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O ano mal começou e funcionários da Ford receberam, na tarde desta segunda-feira, 11, um comunicado oficial sobre o encerramento de toda a operação fabril da marca no Brasil. Do chão de fábrica ao alto escalão, a decisão pegou toda a empresa — e a cadeia produtiva — de surpresa. A partir de agora, sobram inúmeras dúvidas acerca do futuro da companhia no país e dos impactos da decisão para o setor, que vive uma forte transformação: definitivamente, o mercado brasileiro não será mais o mesmo.

A montadora irá encerrar as operações das fábricas de Camaçari, na Bahia, de Taubaté, no interior de São Paulo, e da marca de jipes Troller em Horizonte, no Ceará. A companhia possui pouco mais de 6.000 funcionários no Brasil e a maior parte deve ser dispensada ao longo de 2021. Uma pequena parcela continuará trabalhando na sede administrativa em São Paulo, que seguirá como escritório central da marca na região.

Conforme apurou a reportagem da EXAME, funcionários do alto escalão da montadora foram comunicados do desligamento ainda nesta segunda-feira, entretanto, movimentos pontuais de demissões de executivos aconteceram ainda em dezembro.

A decisão teria sido abrupta justamente para evitar mais transtornos à empresa. O anúncio, em 2019, do fechamento do complexo fabril de São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, onde a montadora produzia caminhões e o compacto Fiesta, trouxe fortes especulações acerca da sustentabilidade dos negócios da companhia no país.

Desde então, a empresa vinha reforçando seu compromisso com o mercado local e que estava trabalhando para manter a rentabilidade.

“Ninguém cogitava essa decisão, até o último mês de dezembro a montadora mantinha discussões para um possível novo investimento em Camaçari”, afirma uma pessoa próxima às negociações.

No entanto, a situação vinha se desenhando cada vez mais desafiadora para a Ford. Em 2018, a marca perdeu o valioso posto de quarta maior do país em vendas de automóveis e comerciais leves. Em 2020, caiu para o quinto lugar e, se considerados apenas os carros de passeio, a empresa figurou no sexto lugar do ranking.

“Com a perda de market share nos últimos anos, esperava-se que a Ford corrigisse o line-up de produtos e retomasse as vendas”, afirma Milad Kalume Neto, da consultoria automotiva global Jato Dynamics.

Segundo o especialista, os modelos da marca são altamente reconhecidos no país pelo seu bom desempenho. Ele lembra que o compacto Ka foi o quarto carro mais vendido do país em 2020, mantendo a performance após mais de duas décadas de existência.

Já o Ecosport inaugurou a categoria de SUVs no país, em meados do ano 2000. Só perdeu a liderança do segmento em 2015, com a chegada da produção local da Jeep.

“A decisão da Ford reflete um momento de transição do mercado brasileiro. Outras marcas também estão perdendo participação e cada uma está adotando uma estratégia para sobreviver”, destaca Neto.

Para Murilo Briganti, diretor da Bright Consultoria automotiva, os últimos cinco anos foram um dos períodos mais críticos da história da indústria automotiva brasileira. Neste sentido, a perda de apenas um ponto percentual de market share em um mercado tão competitivo representa a destruição de centenas de milhões de reais em receita, o que inclui fornecedores e concessionárias.

“De 2015 para cá, tivemos o fechamento de centenas de concessionárias no país, novas tendências de mobilidade e mudanças de conceitos na indústria automotiva. Neste período, apenas algumas montadoras cresceram e a Ford não foi uma delas”, salienta o especialista.

No Brasil, a Ford possui cerca de 280 concessionários e a sustentabilidade da rede foi amplamente colocada em dúvida com a decisão de hoje.

Posicionamento e disputa de mercado

A Ford reforçou que irá trazer uma “linha empolgante e robusta de SUVs, picapes e veículos comerciais conectados e eletrificados, de dentro e fora da região”, atendendo o mercado brasileiro a partir de outras operações, como da Argentina, por exemplo.

O portfólio deve ficar restrito a modelos de maior valor agregado, distante do poder aquisitivo da grande maioria da população — diferentemente do perfil que a marca mirou nas últimas décadas. Com isso, abre-se espaço para que grandes rivais briguem pela lacuna deixada pela Ford, com destaque para as líderes General Motors, Volkswagen e Fiat. A disputa no mercado local deve ficar ainda mais acirrada.

Além disso, a Ford — assim como outras marcas que trabalham apenas com modelo de importação — ficará altamente dependente da oscilação do dólar. “Este é um risco que toda marca que importa veículos corre no Brasil. O atual patamar do dólar pode ter sido considerado como o pior cenário para a Ford, mas em modelos de alto valor agregado a conta costuma fechar”, diz o consultor da Jato.

A picape Ranger, produzida na fábrica da marca na Argentina, deve ser o modelo da Ford mais vendido no curto e médio prazo por aqui, mas o veículo não sofre as intempéries do câmbio, uma vez que os dois países têm um acordo de livre comércio no setor automotivo.

Além disso, conforme apurou a reportagem da EXAME, a marca estuda já há algum tempo a produção de um novo modelo de SUV na unidade de Pacheco, no país vizinho, o que também poderia ser vantajoso. Por lá, a cadeia de fornecedores está bem estruturada para atender à demanda de modelos de maior porte. 

Pioneirismo e declínio

A decisão da Ford acontece em meio a maior transformação da indústria automotiva global, que busca viabilizar o carro do futuro: elétrico, autônomo e altamente conectado. Neste cenário, marcas como a novata Tesla, de Elon Musk, e a americana General Motors lideram a corrida.

A Ford, pioneira na indústria automotiva global, vem tentando acompanhar a revolução vivida pelo setor. O discurso envolve eletrificação do portfólio, com destaques recentes para o Mustang 100% elétrico e os planos para lançar a F-150 — picape mais vendida do mundo — na versão zero emissões.

A estratégia pode ser insuficiente diante da complexidade desse novo mercado, que demanda vultosos investimentos. As empresas têm inúmeros desafios à frente, como o desenvolvimento de baterias e sistemas de automação.

Num cenário em que a Ford luta para manter participação nos principais mercados em que atua, o pioneirismo pode não ser suficiente.

Globalmente, é possível que a marca esteja com dificuldades de se adaptar em um cenário de transição da indústria automotiva. O futuro reserva muitas incertezas para a empresa”, diz Neto.

Fonte: Revista Exame

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