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Rondônia, sexta, 29 de março de 2024.

Exame

Quando o oceano lhe der plástico, faça arte


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Angela Haseltine Pozzi está ao lado de Cosmo, um papagaio-do-mar de 1,8 metro de altura, em um penhasco com vista para a costa turbulenta do Oregon. Estamos em janeiro e as marés violentas chegaram a Coquille Point, fazendo com que a costa se parecesse com um liquidificador cheio de espuma.

Cosmo suporta muito bem o clima, pois é feito de plástico, trazido à terra pelo mar — chinelos, tampas de garrafa, rodas de brinquedo, isqueiros —, tudo montado em uma estrutura de aço inoxidável e parafusado ao concreto. O papagaio-do-mar é uma escultura da organização sem fins lucrativos de arte e educação de Haseltine Pozzi, a Washed Ashore, cujo slogan é “Arte para Salvar o Mar”.

“Retiramos 26 toneladas das praias”, ou 23,5 toneladas métricas, declarou Haseltine Pozzi, “o que é um grão na areia da poluição real, mas estamos fazendo algo ao conscientizar as pessoas.”

Na Galeria Washed Ashore e na oficina de voluntários no centro da cidade, Haseltine Pozzi afirmou que a organização sem fins lucrativos dava as boas-vindas a todos.

“Não estamos aqui para culpar ou acusar as pessoas. Basicamente, convidamos os budistas e os batistas, os caipiras e os hippies, os republicanos e os democratas, e todos se sentam em torno da mesa e todos trabalham juntos, algo que não acontece em nosso mundo o suficiente”, disse ela sobre a poluição dos oceanos.

A Washed Ashore coletou essas 23,5 toneladas métricas de lixo, detritos que chegaram à costa do Oregon (a maior parte a até 161 quilômetros de Bandon), e construiu até agora 70 esculturas em grande escala, incluindo Octavia, o polvo; Edward, a tartaruga marinha; e Daisy, o urso-polar.

O zoo de plástico da organização sem fins lucrativos — todos os animais cuja saúde está ameaçada pelo lixo de que são feitos — está em seu décimo ano. Foi exibido em todo o país, desde a Praça das Nações Unidas em Nova York e o Museu Nacional Smithsonian de História Natural em Washington até o Zoológico de Tulsa. Disney e SeaWorld também encomendaram esculturas.

Angela Haseltine Pozzi, da AshoreMason Trinca/The New York Times

Atualmente, os “embaixadores do oceano” estão em exibição no Zoológico do Oregon, em Portland, no Zoológico de Oakland, na Califórnia, e no Aquário da Flórida, em Tampa.

Haseltine Pozzi — que é fundadora, diretora executiva, diretora artística e artista principal — também viaja para treinar funcionários e docentes de áreas de exposição no currículo projetado em parceria com a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA, na sigla em inglês).

A NOAA estima que 8 milhões de toneladas métricas de plástico acabem no oceano a cada ano. Os animais marinhos ficam presos nele ou ingerem pedaços que confundem com comida, como a baleia que recentemente encalhou na Escócia com 100 quilos de detritos na barriga — o mesmo peso em plástico que um americano joga fora anualmente.

“Ela usa um conceito que ressoa com crianças e adultos para fazer esses animais deslumbrantes, mas a mensagem é muito forte, a de que há poluição plástica em uma escala que nunca sonhamos”, declarou Don Moore, diretor do Zoológico do Oregon.

Com a crescente demanda por exposições, a organização começou a utilizar outras instalações, incluindo uma propriedade de processamento na Rodovia 101, onde há uma construção de compensado, uma loja de ferramentas, dois yurts e pilhas de “detritos marinhos”.

“Temos mais demanda por nosso trabalho do que podemos realmente atender”, disse Haseltine Pozzi.

Em 2020, a Washed Ashore iniciará uma campanha para buscar 3 milhões de dólares em capital para construir um centro de processamento, treinamento e educação, certificado pelo LEED, que convidará organizações de todo o mundo para fazer parcerias e ensinar como colocar o sistema em prática em casa.

A organização foi parcialmente inspirada na arte de Haseltine Pozzi e na educação permeada pela natureza que ela recebeu dos pais, os artistas James Haseltine e Maury Wilson Haseltine. Seu marido, Frank Rocco (também diretor de marketing da Washed Ashore), conta que, quando criança, ela ia junto com a mãe ao lixão em busca de tesouros para suas obras de arte.

A organização também foi resultado de uma tragédia pessoal. Na década de 1990, Haseltine Pozzi estava morando com seu marido de 25 anos — o fotógrafo e educador Craig Pozzi — e sua filha em Vancouver, Washington. Após anos de erros de diagnóstico, Pozzi morreu de um tumor cerebral em 2004. Em um processo relacionado ao caso, Haseltine Pozzi recebeu uma indenização de 2,4 milhões de dólares em 2007.

“Eu me mudei para Bandon porque estava me sentindo péssima e tive de descobrir como me curar”, revelou Haseltine Pozzi. Na infância, ela visitava a casa da avó lá, e se lembra de, no verão, nadar nas piscinas formadas pela água do mar, procurando anêmonas.

Haseltine Pozzi novamente se viu andando pelas praias, desta vez encontrando uma imensidão de pedaços de plástico. O oceano havia se tornado o que seu amigo Charles Moore — o ambientalista famoso por chamar a atenção para a Grande Ilha de Lixo do Pacífico — chama de “sopa de plástico”.

Ela disse que decidiu salvar o oceano, e que isso seria o legado de seu falecido marido.

Com o dinheiro do processo, ela fundou a Washed Ashore. Dez anos depois, a organização funciona com as taxas de locação de exposições e doações, emprega seis pessoas em tempo integral e já trabalhou com aprendizes de arte e mais de 10.000 voluntários.

Para dar vida à fauna marinha, Haseltine Pozzi desenvolveu um sistema. Os funcionários classificam e limpam detritos marinhos (outros tipos de lixo não são permitidos) na propriedade da Rodovia 101, mantendo qualquer coisa que não seja um risco biológico. Do lado de fora, na chuva, caixas transbordam com sapatos, linha de pesca de plástico, brinquedos, escovas de dente e um suprimento aparentemente interminável de garrafas de água dos Jogos Olímpicos de Pequim em 2008.

Coquille Point, em Bandon, OregonMason Trinca/The New York Times

Desde o terremoto e o tsunami de 2011 no Japão, Haseltine Pozzi diz que itens maiores são comuns, como para-choques de carros e banheiras. Há também metros e metros de espuma plástica, que ela usa para reproduzir recifes de coral branqueados.

“Tudo é então classificado por cor e levado para a oficina, onde acaba virando material de arte”, disse Haseltine Pozzi.

Em uma tarde de sábado na oficina, sob orientação de funcionários, voluntários cortavam, perfuravam e uniam com fios o plástico preto, branco e laranja — as cores de um condor da Califórnia, que terá um lar permanente em abril no Zoológico do Oregon.

Sevren Quinn, de 11 anos, e sua avó Karen Thomas, de 79, são voluntários há seis anos. “É muito plástico. Fiz três tubarões, um dragão-do-mar e um urso-polar”, contou o menino.

“Fizemos um grande urso-polar anos atrás. E sua mãe e um pinguim bebê”, acrescentou Thomas.

Enquanto voluntários e funcionários trabalham nos corpos, Haseltine Pozzi constrói as cabeças.

Ela afirmou que as esculturas não eram “arte comunitária”, mas uma comunidade criando belas obras.

“Tem de ser poderoso para passar a mensagem, e você tem de usar os elementos e os princípios da arte para transmitir essa força”, disse ela, acrescentando: “Quero ser a voz deles.”

Fonte: Revista Exame

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