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Rondônia, sexta, 29 de março de 2024.

Exame

PIB para cima, inflação para baixo: gestor explica a onda favorável ao Brasil na economia


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Nos últimos 45 dias Ricardo Denadai, CEO e economista-chefe da ACE Capital, gestora de investimentos com sede em São Paulo com seis bilhões de reais sob gestão, tem reunido seu time para refazer contas. Uma leva de boas notícias nos flancos interno e externo fizeram com que o time da ACE revisasse para cima as projeções do PIB e para baixo as previsões de inflação do Brasil para 2023.

Tudo isso, como reforça Denadai em entrevista à EXAME, apesar da falta de uma postura mais construtiva do governo federal. Caso o cenário nos próximos meses continue positivo, o Brasil pode vir a crescer mais de 2% este ano (próximo às estimativas do governo), bem acima das previsões iniciais de até 1%.

Abaixo, os principais trechos de sua entrevista.

Nas últimas semanas vimos uma leva de revisões para cima no PIB. O que está por trás deste movimento?

De aspectos mais gerais, a conclusão é que estamos revisando PIB para cima e inflação para baixo, e isso apesar do governo. De fato o momento está melhor, e essa é a mensagem principal. Se o ambiente está assim, imagine como poderíamos estar se tivéssemos um direcionamento mais claro desde o segundo turno das eleições, com ações para baixar a chama e deixar os ânimos azeitarem? Não vou entrar no mérito se arcabouço é bom ou ruim, mas ao menos é um plano de voo. Poderíamos estar numa situação ainda melhor do que estamos hoje.

De concreto, o que aconteceu para a revisão das projeções?

Ainda é uma situação muito conjuntural, e não temos a segurança de estender a situação para frente. Com relação a PIB, o que estamos vivendo é em menor grau o que vivemos na mesma época de 2022. Perto de maio do ano passado, houve uma baita revisão de PIB, ainda maior do que vivemos hoje. Achávamos na virada do ano que seria zero, e aí foi para 3%. Um grande delta na projeção, de maior magnitude do que vivemos agora. E talvez o movimento deste ano ainda não tenha acabado. Tínhamos previsões de crescimento de meio para um porcento e agora estamos em 1,7% com viés de alta. Por ora, essa revisão foi provocada mais por uma marcação a mercado dos dados do primeiro quadrimestre do que uma revisão da dinâmica esperada para o segundo semestre.

Este ano a projeção está sendo puxada pelo bom momento do agronegócio?

Não é só agro, embora o agro tenha um peso importante. De um lado, pode até haver algo estrutural que subestimamos nos últimos 3 anos. Seria supostamente algum peso das reformas feitas nos últimos seis anos, cujo efeito poderia ter aparecido antes, mas a pandemia embaralhou e talvez agora apareça algum aumento de produtividade e alguma mudança mais estrutural. Acredito que algum peso deste efeito pode estar aparecendo no mercado de trabalho e no investimento privado em proporção ao PIB, que passou da casa dos 14% para a dos 19% a 20%.  Mas mesmo fora dessa parte mais esotérica, digamos assim, na parte conjuntural, esse ano temos o agro, com importância grande no trimestre, com nova safra recorde. Os produtores produzem muito com preço em dólar elevado, com renda muito alta. Acho que esse setor está até subestimado estatisticamente. Não é só o efeito direto sobre o PIB do setor, como do dinamismo que gera de serviços e na indústria.

E além do agro?

De muito concreto, além do agro, tem estímulo fiscal na mesa, assim como programas de transferência. Representa uma recomposição relevante na renda real. No mercado de trabalho, o Caged (Cadastro geral de empregados e desempregados) do primeiro trimestre veio muito melhor do que esperávamos. A previsão era orbitar em torno de zero, mas de dezembro pra cá só melhorou, um acumulado de 500 mil postos de trabalho no primeiro trimestre. Só em março foram cerca de 300 mil postos de trabalho. Se não forem fatores apenas conjunturais no mercado de trabalho, podemos até discutir um PIB indo para acima dos 2%, até mais perto dos 3%, com uma revisão significativa no segundo semestre. Fazemos uma métrica, publicada em nossa carta de abril, com um gráfico de massa salarial real disponível. Os 12 meses deste indicador apontam crescimento de quase 10% este ano, graças a uma combinação de salário acelerando, inflação desacelerando, reajustes, PEC da transição. Daqui para o final do ano o avanço tende a desacelerar para a casa dos 5%, mas ainda assim muito significativo.

Ainda há um efeito de fim da pandemia nas contas?

Aí tem algo mais esotérico também, para além das reformas. É a lógica de reabertura, de mudança de hábitos, de mais experiência e menos bens, o que sustenta serviços. São coisas discutidas como possíveis de estar acontecendo. Isso vale lá para fora também. Estamos ouvindo desde abril de 2022 que vai ter recessão nos Estados Unidos no mês que vem. E a recessão não vem. O FED (o Banco Central americano) segue subindo juros, com uma resiliência maior de atividade econômica.

Se tudo está melhorando, por que a inflação não sobe junto?

É uma combinação de fatores, que começa com uma parte hídrica mais favorável, que joga custo de energia para baixo. Além disso, os custos de produção, de insumos, de matéria prima, parecem que finalmente, depois de 3 anos, voltaram a uma normalidade em termos globais. Os preços de petróleo, gasolina e diesel também caíram. Por fim, o que devemos ver nos próximos 3 meses é um arrefecimento grande no preço de alimentos. Não é só grão, que já está em queda. O efeito ainda não chegou em proteína. Vamos ver carne bovina, suína, aves, leite caindo muito por causa da queda de farelo de soja e milho em percentuais até maiores que 25% em reais. Isso deve acontecer nos próximos três meses.

E como essa dinâmica afeta as previsões para queda dos juros?

Temos, então, energia, câmbio, alimentação, insumos (inclusive fertilizantes), tudo despencando. Temos uma previsão de 5,3% de IPCA para este ano. Começamos o ano, vale lembrar, achando que o PIB era entre zero e um [ponto] porcentual e inflação na casa dos 6%. Dito tudo isto, o que o Banco Central precisa ter no radar para cortar juros? Precisa de duas condições, na minha visão. A primeira é ver o Boletim Focus (relatório que reúne as expectativas para a economia) melhorando. Para isso, precisamos da confirmação de que o centro da meta de inflação não vai mudar. O Banco Central precisa também estar mais confiante nas suas próprias projeções — ou seja, ter menos incerteza em sua projeção base. Quando isso vai acontecer? O mais provável é ter esses elementos em setembro. Será um corte cauteloso ou mais agressivo? Acho que começa mais devagar.

Qual o potencial de o governo acelerar ou frear essa melhora?

Em meados de junho teremos o Conselho Monetário Nacional, com uma discussão mais organizada sobre controle de metas. Manterá o centro da meta em 3%, normal para um país emergente? Isso cristalizaria setembro como o mês esperado para começar o corte de juros, e traria até a possibilidade de começar a cortar em agosto. O mercado já tem como cenário base não mudar o centro da meta, com base em declarações recentes de Fernando Haddad e da equipe. Imagina se vem o contrário? Aí, jogaria o corte de juros para frente, se tiver corte. Nos últimos dois meses os ruídos diminuíram, Haddad e equipe ganharam força, a temperatura baixou, o arcabouço foi entregue. Essas coisas têm efeito. A maré está favorável, com dólar mais fraco. Aos olhos do investidor, o Brasil pode não ser a oitava maravilha do mundo, mas no resto do mundo emergente há muita coisa pior. O direcionamento macro é bom. Quanto mais ruidoso e confuso o governo, mais abre mão de surfar essa onda. Quanto mais organizado e transparente, com mais previsibilidade, mais aproveitamos a onda, que não vai durar para sempre.

Fonte: Revista Exame

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