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Rondônia, sábado, 20 de abril de 2024.

Exame

Quebra do SVB gera impactos no Brasil? Juros entram no radar, mas sem repetir 2008


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Quando ficaram claras as dimensões do colapso do Silicon Valley Bank, a memória de economistas nos mercados globais logo fervilhou com os fantasmas de setembro de 2008. Na ocasião, a falência do banco Lehman Brothers em meio a uma bolha imobiliária gerou uma “corrida aos bancos”, com clientes se apressando a sacar depósitos mesmo em outras instituições, e um efeito em cadeia no mundo. Na sequência, vieram as baixas de juros para responder à desaceleração na economia em vários mercados. Os efeitos daquela época, em alguma medida, duraram até meados da pandemia.

O SVB é o maior banco a falir nos EUA desde a crise de 2008, um rótulo que assusta por si só e faz pensar que aquele roteiro possa se repetir. Desta vez, porém, a comparação com o cenário de 2008 ainda é lida como pouco provável, dizem analistas ouvidos pela EXAME. Para o Brasil, essa visão indica que não há no radar impactos fortes sobre a situação macroeconômica, como um efeito significativo na trajetória de juros ou no produto interno bruto (que já deve desacelerar em 2023, invariavelmente).

Mesmo antes do colapso do SVB, a pressão do governo federal para que o Banco Central promovesse uma redução na taxa Selic (hoje em 13,75%, a maior desde 2016) era latente. No limite, um roteiro como o do pós-2008 seria o empurrão que faltava. Mas isso ainda não está dado, conforme reconheceu o próprio ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em evento nesta segunda-feira, 13.

“Precisa ver se a autoridade monetária do Brasil vai ter de tomar alguma providência em virtude dos efeitos sobre as economias periféricas. Isso não está claro ainda, é o que vamos acompanhar ao longo do dia”, afirmou o ministro. Haddad lembrou ainda que o SVB é um banco regional, com carteira descasada, o que pode minimizar os impactos. Apesar disso, disse também que o Brasil tem, sem SVB, “gordura” para cortar a taxa de juros.

Efeito do SVB no Fed é incerto

Uma economia americana em desaceleração que obrigasse o Fed (banco central americano) a se tornar mais cauteloso ajudaria a corroborar essa tese. Nos mercados, essa visão chegou a dominar os índices nesta segunda-feira. Afinal, o Fed está em seu maior patamar de juros desde 2007, exatamente o pré-crise do setor imobiliário.

Em resposta à inflação em alta, a taxa de juros dos EUA saiu de perto de zero em 2020 e 2021 para o intervalo entre 4,5% e 4,75% neste ano – e contando. Se o caso do SVB escalar, novas altas bruscas poderiam ser revistas para evitar uma derrubada da economia.

“Nesse momento, nossa primeira impressão é que não há similaridade entre o que está ocorrendo com o SVB e o banco Lehman Brothers”, disse em nota a clientes o economista-chefe da Órama, Alexandre Espírito Santo.

“O importante a observar é que provavelmente foi mais uma incompatibilidade de liquidez e uma instância singular de um banco assumindo riscos, em vez de um grande problema de crédito”, disse em relatório a gestora americana Global X ETFs. “O efeito de contágio pode ser muito mais limitado do que o que aconteceu em 2008.”

Mas os riscos seguem no radar. “A despeito de ser uma instituição regional, não se pode desconsiderar que cerca de 30% dos depósitos bancários nos EUA sejam realizados em bancos menores. Ou seja, há perigo de ‘transbordamento’ para bancos maiores, que deveria ser evitado pelas autoridades”, escreveu Espírito Santo, da Órama.

uma preocupação inicial sobretudo com o setor de tecnologia, que já vivia problemas com a liquidez menor e juros altos tem fortes relações com o SVB e outros bancos menores. A falta de liquidez nas grandes startups americanas e europeias, por exemplo, poderia levar a não pagamento de trabalhadores e um problema generalizado. “A maioria das pessoas nunca ouviu falar do Banco do Vale do Silício, mas acontece que ele cuida do dinheiro de alguns de nossos negócios mais promissores e empolgantes”, disse o ministro das Finanças do Reino Unido, Jeremy Hunt.

Na imagem a região da Av. Faria Lima. Confira as profissões em alta no mercado financeiro

Avenida Faria Lima, em São Paulo: efeitos no Brasil ainda são pouco prováveis (Germano Lüders/Exame)

“Dado que os EUA têm um histórico recente com a crise de 2008 no setor financeiro, com certeza o Fed vai passar a analisar com ainda mais cuidado um possível e eventual aumento de juros”, completa Heitor Martins, especialista em renda variável na Nexgen Capital.

“Já no Brasil, enxergamos pouco impacto. Embora certamente algumas empresas tivessem aplicação no SVB; [não é] nada que possa trazer um impacto grande na questão dos juros e política monetária ou na atividade operacional de outros bancos”, diz Martins.

Além disso, nem mesmo uma cautela do Fed significa uma política monetária expansionista no curto prazo. A aposta consenso nos mercados internacionais de alta na próxima reunião do Fed caiu nesta segunda-feira de 0,5 p.p para 0,25 p.p, como a EXAME mostrou. Segue sendo um aumento — em uma taxa já elevada.

Por isso, Evandro Buccini, sócio e diretor de gestão de Crédito e Multimercado da Rio Bravo, avalia que é preciso esperar para garantir que a reação dos mercados ao apostar em mudança brusca na política monetária não teve certo grau de “exagero”. A queda nas ações, para ele, é natural, uma vez que investidores de risco saem prejudicados pela quebradeira e não serão cobertos por políticas de governo por ora.

“Pode gerar uma desaceleração da economia, mas não sei se vai ser tão pesada”, diz Buccini. “Uma coisa que aprendemos com o próprio Fed em 2008 é que problemas específicos de crédito você responde com linhas específicas, como foi o caso do Fed ontem.”

Em medida considerada positiva pela Fazenda de Haddad, o Fed estabeleceu um fundo garantidor para os depósitos em bancos de até US$ 250 mil, reduzindo a possibilidade de uma corrida aos saques de clientes menores (embora 90% dos depósitos do SVB sejam maiores do que isso, o que gera incerteza). Nesse caso, a expectativa importa mais do que o balanço dos bancos em si – se todos decidem sacar dinheiro ao mesmo tempo acreditando que outros bancos correm o risco de quebrar, o caos está contratado. O Fed também anunciou a criação de um programa de fundo bancário para proteger as instituições afetadas pela instabilidade.

Tudo muda para continuar como está?

“E isso vale um pouco para o Brasil também, na minha opinião: não sei se [o cenário] aqui vai permitir que o Banco Central corte tanto os juros assim. Teremos de ver nas próximas semanas”, diz Buccini.

Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central

Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central: projeção do mercado pré-SVB é de Selic reduzida em 1 p.p até o fim do ano, indo a 12,75% (Patricia Monteiro/Getty Images)

O consenso dos analistas no último boletim Focus aposta em Selic reduzida a 12,75% até o fim do ano. O relatório é fechado às sextas-feiras e a projeção consenso se manteve a mesma das últimas semanas, pré-notícias sobre bancos. Isto é, sem SVB, já era prevista uma queda de 1 p.p em qualquer cenário – em novembro, a projeção era que fossem reduzidos 2,5 p.p ao longo do ano, mas as expectativas foram piorando em meio à volatilidade política, risco fiscal e outras incertezas internas e externas.

A dúvida é se a queda pode ir além disso, o que não está precificado por ora.

Uma boa notícia para o governo é que a projeção do Focus para o déficit primário caiu progressivamente e chegou a 1% do PIB, patamar ao qual o Brasil deve chegar se cumprido parte do plano fiscal de Haddad apresentado no começo do ano. A mudança denota certa confiança no plano da Fazenda. A má notícia é que há aposta de que o déficit, embora menor, continue no horizonte relevante, até 2026, um cenário indesejado. As expectativas podem melhorar a depender de frentes políticas como a aprovação de um novo arcabouço fiscal e da reforma tributária no Congresso.

Enquanto isso, o PIB brasileiro caiu no quarto trimestre e uma desaceleração para perto de 1% ou menos é prevista para 2023, ajudada pela política monetária contracionista do BC — e fonte do tiroteio do presidente Roberto Campos Neto com o Planalto. Haddad afirmou que conversará com Campos Neto sobre a situação do SVB nos próximos dias. Em uma situação em que o BC já vinha sendo pressionado a antecipar algum corte, todo “fato novo” será observado.

Fonte: Revista Exame

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