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Rondônia, sábado, 20 de abril de 2024.

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Carteiras e barrigas vazias: como comida virou artigo de luxo?


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Por Alan Soares*

Você sabe o que vai comer amanhã no almoço? Talvez não saiba se irá preparar arroz com feijão ou massa com carne moída, mas se você sabe que não vai faltar comida na mesa amanhã, você já está numa situação melhor do que pelo menos 15% da população nacional que, de acordo com o relatório “Efeitos da pandemia na alimentação e na situação de segurança alimentar no Brasil”, de 2021, sofre com a insegurança alimentar grave, na qual a incerteza da comida é diária e constante. Além disso, 12,7% dos domicílios enfrentam insegurança alimentar moderada, e 31,7% sofrem com a insegurança alimentar leve. Assim, somente 40,6% da população – menos da metade dos brasileiros – possui plena segurança alimentar atualmente.

As cenas assustadoras de pessoas terem que revirar alimentos no lixo para não passar fome que temos visto nas últimas semanas é só um retrato de uma situação que vem se tornando mais grave a cada mês que passa. No Brasil, a crise alimentar sempre foi um problema, e milhares de famílias dormem de barriga vazia constantemente. Porém, a curva estava recuando, até que voltou a subir em 2018.

<span class=”hidden”>-</span>IBGE/Divulgação

O gráfico acima nos mostra a quantidade de brasileiros em situação de insegurança alimentar grave, mas existem vários níveis de insegurança alimentar, e todos eles acabam refletindo a precariedade da nossa situação econômica, da distribuição de renda e da crise social que enfrentamos:

– Insegurança alimentar leve: situação em que a pessoa já se preocupa ou tem incerteza sobre o acesso alimentar no futuro, além da diminuição na qualidade dos alimentos que consome;

– Insegurança alimentar moderada: a quantidade de alimentos diminui, especialmente entre os adultos da família, bem como uma ruptura nos padrões de alimentação da casa;

– Insegurança alimentar grave: a quantidade de alimentos diminui para todos os membros da família, inclusive as crianças, ocasionando uma ruptura nos padrões alimentares da casa e situação de fome regular.

Essa realidade está intimamente ligada à situação financeira dos brasileiros. Segundo dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o número de cidadãos que passaram a viver abaixo da linha da pobreza triplicou em 2020, e passou a atingir 27 milhões de pessoas, totalizando 12,8% da população nacional (praticamente os mesmos 15% apontados na pesquisa sobre insegurança alimentar grave). É com o valor de R$246,00 por mês que muitas famílias tentam sobreviver e vencer a fome.

Com essa renda mensal, os lares brasileiros mal chegam no valor mínimo necessário para alimentar um único membro da família, e muito menos a casa toda. Segundo o IBGE, ainda com dados de 2018, a despesa per capita das famílias – ou seja, para cada membro familiar – tem como mínimo necessário R$248,35.

A diferença entre o necessário e o efetivamente gasto chega a 85% entre as famílias com insegurança alimentar moderada ou grave. Isso quer dizer que essas famílias estão comendo muito menos do que o ideal, pulando refeições, indo dormir de barriga vazia e ingerindo alimentos de qualidade muito inferior à indicada pelos profissionais e órgãos de saúde. O alimento que teve maior redução de consumo nos últimos meses foi a carne, com diminuição de 44%, seguida pelas frutas, com 40,8%, os queijos, com 40,4% e as hortaliças e legumes, com 36,8%, segundo o relatório “Efeitos da pandemia na alimentação e na situação de segurança alimentar no Brasil”.

Quando a economia chega ao nível da comida se transformar em artigo de luxo, em um item ao qual muitos não têm acesso, estamos enfrentando, sem dúvida, um estado de urgência e colapso, onde não podemos esperar mais nem um dia para reabastecer o prato dos adultos e crianças que lutam para sobreviver, dia após dia, enquanto uma pequena parcela do país detém banquetes em suas mesas.

*Alan Soares é mestrando em comunicação e criador da página Boletinhos, que tem como objetivo democratizar a educação financeira

Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a Exame. O texto não reflete necessariamente a opinião da Exame.

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Fonte: Revista Exame

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