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Rondônia, terça, 23 de abril de 2024.

Exame

Bolsonaro edita decreto que prevê autorização mais rápida de agrotóxicos


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O presidente Jair Bolsonaro editou um decreto nesta sexta-feira que muda as regras para a utilização, importação e exportação de agrotóxicos. A nova norma facilita o processo de registro de novos agrotóxicos e estipula um prazo de até três anos para a análise sobre a segurança dos defensivos agrícolas. Ambientalistas criticaram a medida.

Embora a lei atual preveja um prazo de 120 dias para a autorização ou não do uso de novos agrotóxicos, na prática, esse período é de cerca de seis anos.

O decreto prevê, entre outras coisas, mais rapidez para a aprovação de processos prioritários no registro de defensivos agrícolas e regras para a priorização de novos registros.

Segundo a Presidência, o objetivo é aumentar a concorrência no mercado de agrotóxicos. O governo afirma que, com isso, produtos mais modernos e menos tóxicos poderão ser utilizados, além de reduzir os custos para o produtor. O decreto também altera as regras em relação ao aplicador de agrotóxicos nas fazendas. A partir de agora, esses profissionais obrigatoriamente terão que passar por um treinamento sobre riscos e aplicação adequada dos produtos.

Além disso, o texto define novas regras para a aplicação de multas por descumprimento da legislação sobre agrotóxicos. A partir de agora, a autuação poderá ocorrer sem aviso anterior, que era necessário segundo as antigas regras.

O decreto foi recebido com preocupação por especialistas no tema. Na avaliação de Larissa Mies Bombardi, do programa de Pós-Graduação em Geografia Humana da Universidade de São Paulo (USP), o decreto coloca o país na contramão da ciência e da legislação mundial, que consideram a saúde humana e ambiental acima dos interesses econômicos.

— O governo brasileiro tomou uma medida que rasga o princípio da precaução que existia na nossa lei de agrotóxicos e nos torna mais vulneráveis. Reduz o prazo da autorização dos agrotóxicos via caneta, ao invés de ampliar o corpo técnico dos Ministérios da Saúde e Meio. Num ato mágico, reduz o prazo e a capacidade de avaliar os riscos para a saúde e para o meio ambiente — diz Larissa, autora do atlas “Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia”.

Larissa afirma que o Brasil já é muito mais permissivo que a União Europeia, os Estados Unidos e o Japão, por exemplo, na avaliação dos agrotóxicos. Segundo ela, um terço das substâncias usadas no país são proibidas na União Europeia e três das sete substâncias mais usadas na agricultura brasileira são vetadas nos países europeus por provocar câncer, má formação fetal e desregulação hormonal, além de causar efeitos nocivos ao meio ambiente. Além disso, lembra ela, o Brasil permite resíduos de substâncias na água potável e nos alimentos muito maiores do que nos países europeus.

Segundo ela, o quadro atual não deveria ser de acelerar o registro de agrotóxicos, mas de colocar um freio uma vez que 20% dos intoxicados por este tipo de produto no Brasil são crianças e adolescentes até 19 anos.

— O Brasil permite aplicação por meio de pulverização aérea, que é uma prática proibida na União Europeia desde 2009 — ressalta a especialista.

A toxicologista Karen Friedrich, da Fundação Osvaldo Cruz e do Grupo de Saúde e Ambiente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), afirma que o decreto preocupa porque, na prática, vai permitir que sejam liberados produtos sem que sejam avaliados os reais danos à saúde, mesmo que existam estudos que mostrem indícios de comprometimento.

— A Anvisa vai passar a determinar níveis aceitáveis de adoecimento. A liberação de produtos com indícios de causar problemas a saúde, que hoje é proibida, passa a ser permitida com base no artigo 31 do decreto — explica.

— Estamos falando de doenças irreversíveis, que não têm tratamento e têm grande impacto nas famílias. Doenças graves e que causam sofrimento. Moralmente, não tem como definir que as pessoas possam ser expostas a esses produtos — diz Karen.

Luís Claudio Meirelles, que foi gerente de Toxicologia da Anvisa e é pesquisador da Fiocruz, afirma que o registro de agrotóxicos no Brasil nunca foi tão ágil e lembra que o registro de novos produtos não significa necessariamente inovação, uma vez que dezenas de marcas e formulações usam os mesmos ingredientes ativos, que são em maioria importados.

— Quanto mais marcas de um mesmo medicamento, mais difícil a inspeção e a fiscalização. Temos no mercado muitas empresas formuladoras usando os mesmos princípios ativos, o que dá pouca margem para que tenha de fato preços diferentes— explica.

Segundo ele, a proliferação de fórmulas deve ser vista com cuidado e pode trazer um grande risco sanitário para o Brasil, principalmente pela ausência de um programa de fiscalização intensa.

— Precisamos olhar com reserva. A situação é de mais risco tanto por consumo de alimentos quanto pela exposição de trabalhadores a esses produtos. Setores da sociedade civil deixaram de ser ouvidos e, sem discussão, o governo corre o risco de tomar decisão sob enfoque econômico e equivocado, porque não vai resultar em uso de novas tecnologias ou menor preço para o agricultor.

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Fonte: Revista Exame

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