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Rondônia, quinta, 25 de abril de 2024.

Exame

A força é da cadeira, mesmo que seu ocupante a use de forma peculiar


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Por Márcio de Freitas*

A cadeira de presidente da República recebe um grau de lealdade mais longevo e persistente que o eventual ocupante do cargo. Essa é uma lição que costumam aprender de forma brutal os ex-ocupantes da Presidência. No momento em que um outro tem o direito constitucional de se sentar nela, todo o poder se transfere. Imediatamente, sem cerimonial.

Essa nem é uma tradição exclusivamente republicana. “Rei morto, rei posto”, ditava a lógica do poder já nos tempos rústicos dos absolutistas.

O presidente Jair Bolsonaro usa a cadeira de forma peculiar, explora todos seus limites e fronteiras para demonstrar força. E aparenta gostar de usá-la e mostrar seu potencial – até assustando observadores com as ambiguidades desse exibicionismo exploratório de novas fronteiras nunca antes pisadas.

Faz até movimentos de bumerangue, jogando dúvidas e questionamentos à forma eleitoral de como ganhou a cadeira central do Palácio do Planalto. Um observador arguto do Planalto nota que há contradição em ganhar uma eleição e questionar a própria vitória, para jogar dúvidas sobre a próxima disputa, caso não se obtenha resultado favorável.

Claro, a estratégia é diversionista, mas causa espécie em alguns, e calafrios em outros. E justamente num dos pontos onde a democracia brasileira dava demonstrações de avanço e de estar à frente mesmo de países chamados desenvolvidos: o sistema eleitoral brasileiro, com a urna eletrônica a entregar o resultado final poucas horas após o encerramento da votação. Nada que lembre a briga na Flórida entre Bush e Al Gore, ou a demorada recontagem de cédulas pelas dúvidas trumpianas na maior democracia do mundo no ano passado.

Esse tipo de dúvida mina a legitimidade de quem exerce o poder, pois tisna sua legitimidade. Não diminui o poder da cadeira, mas de quem está sentado nela ou até de quem poderá vir a ocupá-la no futuro. E é um movimento feito dentro das instituições, pelos ocupantes de poder nascidos desse sistema, gerados pelo voto eletrônico, como deputados, senadores e o próprio presidente. Todos eleitos com mandatos definidos e ratificados pela Justiça Eleitoral, mas sob o manto do voto direto e intransferível.

O sistema brasileiro provocou uma queda significativa das fraudes e dos desmandos dos coronéis, do controle do voto, do pedido de comprovação dos poderosos ao eleitor mais simples. E acelerou a transição de poder, criando mecanismos mais fáceis de serem compreendidos, com maior estabilidade para todo mundo político nacional.

Abalar esse edifício eleitoral é jogar fora anos de trabalho técnico, arquitetura política e engenharia social. E se faz isso em nome de um grande desconhecimento das ferramentas de informática e por uma não compreensão da tecnologia embutida e desenvolvida no país, de forma segura e transparente, com ampla fiscalização – usando até delegados de partidos durante o processo, o que segue ainda velhos modelos.

Há questionamento do sistema eleitoral com objetivo de aplainar a terra para uso político, em causa vaga mas com mobilização certeira pelas teorias conspiratórias usadas para enfraquecer a democracia brasileira. Há hoje muitos em dúvidas sobre princípios da ciência, mas mesmo os mais descrentes não evitam quedas quando desafiam a lei da gravidade.

Contudo, a força desse descredenciamento do sistema eleitoral vem avançando de forma firme, regular, articulada. O debate sobre a necessidade do voto impresso avança na Câmara dos Deputados exigindo um sistema auditável. Os velhos coronéis do antigo país aplaudiriam, com certeza. O sistema já é auditável, mas ele mantém dentro da urna eletrônica o voto secreto, livre e inviolável.

É essa garantia de voto independente que garante a força da democracia e o poder da cadeira presidencial, e de todos outros assentos derivados do sistema representativo. Quando se fura essa lógica, um cupim devora essa madeira e corrói um pouco a forma como funciona a delegação de poder. Mas não da cadeira, porque a democracia tem ciclos e ela vai se fortalecer em outro momento, com quem saiba torná-la mais sólida. Essa tática política diminui o poder e a legitimidade de quem exerce hoje o poder, pois lança dúvidas não sobre o futuro, mas sobre o passado que hoje é realidade. Para o futuro, só cria fantasmas. E quanto a fantasmas, não tem ciência que os explique.

*Márcio de Freitas é analista político da FSB Comunicação

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Fonte: Revista Exame

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