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Rondônia, sábado, 20 de abril de 2024.

Exame

A única coisa que pode salvar o metrô: passageiros


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Enquanto o coronavírus tomava conta da cidade de Nova York no início do ano passado, a metroviária Adrienne Crespo via a multidão nas plataformas lentamente diminuir. Uma tarde, parou na estação West Fourth Street-Washington Square – tipicamente uma das mais movimentadas de sua linha – e viu apenas duas pessoas embarcarem. “Quando não vi ninguém na hora do rush, compreendi. Foi realmente assustador. Pensei: ‘Uau, isso é ruim. Isso é muito, muito ruim”, disse Crespo, de 49 anos.

Há um ano, a covid-19 afastou quase todos os passageiros do metrô, espalhou-se por milhares de trabalhadores do setor em Nova York e mergulhou a maior agência de transporte público da América do Norte em sua pior emergência financeira de todos os tempos.

Hoje, o número de passageiros voltou a subir para cerca de um terço de seus níveis habituais, de uma baixa recorde de sete por cento do fim de março ao fim de junho passados. Uma ajuda federal de bilhões de dólares manteve à tona a Autoridade Metropolitana de Transporte (MTA, na sigla em inglês). E a agência, que opera o metrô, os ônibus e duas linhas ferroviárias, recebeu outros US$ 6 bilhões do plano de resgate do presidente Joe Biden.

Mas a sobrevivência em longo prazo da MTA depende do retorno dos passageiros e de suas tarifas, que compõem sua maior fonte de financiamento. Quase 40 por cento da receita operacional da agência vêm das passagens, porcentagem maior que a de quase qualquer outro grande sistema de trânsito dos EUA.

Agora, à medida que a campanha de vacinação em massa da cidade atinge mais pessoas e a vida urbana se recupera lentamente, autoridades do transporte público enfrentam uma realidade preocupante: um consenso crescente de que o número de passageiros pode não voltar inteiramente a seus níveis pré-pandemia, e que a agência terá de remodelar e reduzir o serviço para refletir os novos padrões de deslocamento.

Adaptar-se a um novo padrão pode significar mais esperas entre os trens durante a hora do rush, e a diminuição da circulação de trens com destino ao subúrbio, onde o número de usuários permanece anêmico.

Mesmo com a diminuição da pandemia, algumas empresas estão mudando as regras do local de trabalho para tornar pelo menos parte do trabalho remoto uma opção permanente.

A incerteza dificulta as projeções, mas uma análise da McKinsey & Co. encomendada pela MTA descobriu que o número de passageiros pode finalmente atingir de 80 por cento a 92 por cento dos níveis pré-pandemia – mas só no fim de 2024.

“A cultura do transporte para o trabalho vai mudar. As pessoas buscam mais flexibilidade e mais opções, o que melhora sua qualidade de vida. Isso é definitivamente um legado da pandemia”, afirmou Kathryn Wylde, presidente da Partnership for New York City, influente grupo empresarial.

Embora especialistas em saúde pública geralmente concordem que andar de trem e ônibus não é um fator de risco importante para a exposição ao vírus, especialistas em trânsito dizem que alguns passageiros provavelmente vão se manter afastados, optando por outras maneiras de se locomover às quais recorreram durante a pandemia, como carro e bicicleta.

E alguns passageiros expressaram medo depois de ver outros desrespeitando a exigência do uso de máscara da MTA, mesmo com a agência distribuindo milhões de unidades grátis. “É difícil para mim quando as pessoas não colocam a máscara”, disse o auxiliar de saúde Manil Molina, que não tem escolha a não ser tomar o metrô para ir trabalhar.

Especialistas em transporte e economia alertam que a confluência de fatores que fazem com que os passageiros virem as costas ao transporte coletivo corre o risco de paralisar a recuperação da região. Uma onda de tráfego de carros em Manhattan causaria congestionamentos enormes, perda de produtividade e maior poluição do ar. E, se o número de usuários não se recuperar, a agência pode voltar a viver uma crise financeira.

Antes da pandemia, nenhuma parte do país dependia mais do transporte coletivo. Oito milhões de pessoas na região de Nova York – incluindo mais de 50 por cento da população da cidade – utilizavam o transporte público todos os dias da semana.

“A questão existencial para a cidade nos próximos anos é como convencer as pessoas de que o transporte público é seguro, para que possam voltar a utilizá-lo”, frisou Nick Sifuentes, ex-diretor executivo do grupo de defesa Tri-State Transportation Campaign.

Alguns não voltarão, pelo menos para ir ao escritório. Muitos grandes empregadores adotaram políticas de trabalho remoto que serão mantidas. Outros consideram criar escritórios satélites fora de Manhattan e em subúrbios mais próximos da casa dos funcionários, na esperança de oferecer espaços de trabalho dedicados – longe de crianças e apartamentos apertados – e garantir deslocamentos mais curtos, que possam até ser feitos a pé.

Menos de 50 por cento das pessoas que trabalhavam nos escritórios de Manhattan em 2019 voltarão a eles nos próximos anos, de acordo com uma pesquisa recente do Partnership for New York City.

As autoridades de trânsito reconhecem que a mudança de padrão provavelmente ditará que tipo de sistema vai surgir com a aproximação do fim da pandemia, embora digam que não há planos específicos. “A utilização pela manhã e pela tarde são diferentes. Vamos precisar ajustar o serviço a isso”, disse Patrick J. Foye, presidente da MTA.

A pandemia acabou com o que estava parecendo ser um ano importante para a MTA. Depois de uma onda de interrupções no serviço e descarrilamentos em 2017, que levou o governador Andrew Cuomo a declarar estado de emergência, a taxa de pontualidade dos trens durante a semana subiu para mais de 80 por cento – o melhor desempenho em sete anos. O número de passageiros se recuperou em 2019, depois de três anos de declínio.

Além disso, a agência também tinha acabado de aprovar seu maior plano de gastos de todos os tempos – um aporte de US$ 54 bilhões para finalmente trazer o sistema para o século 21. Ela informou que compraria mais de 1.900 vagões de metrô e 500 ônibus elétricos, adicionaria elevadores a 70 estações para tornar o sistema mais acessível e substituiria a sinalização ultrapassada do metrô por uma rede moderna, que colocaria mais trens em uso, aumentando a capacidade e diminuindo a superlotação.

Mas o coronavírus parou tudo. Na sede da MTA no sul de Manhattan, as autoridades de trânsito montaram uma sala de situação 24 horas por dia, produzindo relatórios de campo sobre a queda acentuada no número de usuários e a rápida mudança das orientações de saúde pública, ao mesmo tempo que adotavam planos de emergência para reduzir o serviço e até mesmo fechar todo o sistema.

Embora nunca tenham tomado uma atitude tão drástica, as autoridades do serviço de metrô interromperam o serviço durante a noite para desinfetar o sistema – momento preocupante para uma cidade que se orgulha de seu transporte público 24 horas.

Logo, relatos de funcionários do setor adoecendo começaram a chegar aos montes – evidenciando o custo humano da crise. Uma linha direta que a MTA instalou para que os trabalhadores relatassem um resultado positivo do teste e recebessem orientação para o isolamento ficou sobrecarregada, com cerca de sete mil a oito mil chamadas por dia. Um ano depois, milhares de trabalhadores do transporte público adoeceram, e mais de 140 morreram.

Ao mesmo tempo, a MTA estava rapidamente se aproximando de um desastre financeiro. Em abril, os passageiros quase desapareceram, drenando o sistema da receita tarifária vital praticamente da noite para o dia. No ponto mais baixo, cerca de 400 mil dos cinco milhões e meio de passageiros diários habituais do metrô estavam usando o sistema, enquanto nos ônibus o número despencou para 20 por cento do normal. “Foram ordens de magnitude piores que as da Grande Depressão”, segundo Foye.

No metrô, Crespo está ficando animada com as multidões que vão aumentando lentamente nas plataformas, garantindo algum respiro ao sistema.

Mesmo assim, ela se preocupa – com o aumento do número de agressões a trabalhadores de trânsito, com as crescentes e muitas vezes explosivas confusões entre passageiros que se recusam a usar máscara, e com sua estabilidade no emprego caso as finanças da MTA voltem a piorar. “Ainda não acabou. Esta crise não acabou”, concluiu ela.

Fonte: Revista Exame

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