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Rondônia, sexta, 19 de abril de 2024.

Exame

Evolução, não revolução, na economia


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LONDRES – Enquanto olham em silêncio para seus modelos, os macroeconomistas ouvem o longínquo ruído da revolta. Há um ano, o economista ganhador do Nobel Joseph Stiglitz anunciou que o capitalismo estava passando por “mais uma crise existencial”, tendo a “ideologia neoliberal” para culpar. Agora Robert Skidelsky proclamou a chegada de uma “revolução silenciosa na macroeconomia.” Martin Sandbu, do Financial Times, prefere o plural, celebrando as “revoluções em curso na macroeconomia”.

A crescente aceitação de uma política fiscal agressiva é considerada o primeiro princípio do novo regime pós-revolucionário. Até mesmo o Fundo Monetário Internacional – outrora ironizado ao insistir no “É principalmente fiscal” ao querer impor austeridade em todos os lugares – agora está pedindo mais estímulo fiscal para combater a crise.

Então, se uma revolução está acontecendo, de que tipo é? Os macroeconomistas convencionais deveriam temer a guilhotina intelectual?

Uma radical mudança está realmente ocorrendo. De acordo com a atualização de janeiro do Monitor Fiscal do FMI, os déficits fiscais em 2020 foram em média 13,3% do PIB nas economias avançadas e 10,3% nos mercados emergentes, e ultrapassarão 8% em ambos os grupos de países em 2021. A expectativa do Fundo é que a dívida pública bruta chegue a 99,5% do PIB mundial no final do ano.

Mas aqui não há nenhuma revolução conceitual em ação. A ideia de que em uma armadilha de liquidez – quando as taxas de juros não podem cair – a política fiscal como única jogada disponível é fundamental para a Teoria Geral de John Maynard Keynes. A maioria dos macroeconomistas convencionais pediu uma resposta fiscal robusta à crise financeira em 2007-09 e novamente, quando o COVID-19 chegou. Alguns professores negam que o estímulo fiscal tenha um papel a cumprir, mas é preciso procurar muito para encontrá-lo.

O que tem mudado é a política. No final de 2008, os assessores do presidente dos EUA, Barack Obama, queriam US $ 1.8 trilhão em estímulos fiscais. O Congresso aprovou um pacote de menos de US$ 800 bilhões, contra a oposição de todos os republicanos da Câmara e 38 dos 41 senadores republicanos. Avancemos para março de 2020. O Congresso aprovou um pacote de estímulo no valor de US$ 2,2 trilhões. Todo senador republicano votou sim. O que mudou? Bem, ocorre que um republicano, Donald Trump, era o presidente.

Na Alemanha, a chanceler Angela Merkel também virou a política fiscal de cabeça para baixo. Ela persuadiu a hiper conservadora estrutura econômica da Alemanha não apenas a incorrer em um déficit em 2020, como também a emitir títulos em conjunto com outros países da União Europeia – anteriormente tabu – para financiar o fundo de recuperação de pandemia de €750 bilhões (US$ 909 bilhões) do bloco .

O mundo também está diferente do que era antes da crise de 2007-09. Nas décadas de 1980 e 1990, as taxas de juros reais eram positivas e, em alguns países, altas. Governos com grandes dívidas tiveram que usar uma parte considerável de seu orçamento para pagar juros todos os anos. Esse dinheiro não foi gasto em saúde, educação, bem-estar ou infraestrutura verde. Nessa situação, a maioria dos economistas – até mesmo os progressistas – aconselhou prudência.

Hoje, com a taxa de juros real igual ou inferior a zero, um país na mesma situação deve pagar juros reais de, digamos, zero. Não é de se admirar, portanto, que economistas respeitados, como Olivier Blanchard do MIT, argumentem que as baixas taxas de juros sustentadas abrem espaço para uma dívida pública muito maior.

Uma revolução conceitual realmente aconteceu, mas envolveu a política monetária e começou há mais de uma década. Na esteira da crise de 2007-09, os banqueiros centrais começaram a fazer o que o bom senso tradicionalmente não pedia. Sob novos rótulos – “flexibilização quantitativa” e “flexibilização de crédito” – eles imprimiram trilhões de dólares em dinheiro novo e o usaram primeiro para comprar títulos do governo e depois títulos corporativos.

Durante décadas, nós, macroeconomistas, ensinamos aos alunos que, no longo prazo, o nível de preços é aproximadamente proporcional à oferta de moeda, de modo que, quando se dobra a oferta de moeda, a inflação acumulada chegará a 100%. Mas nos 12 anos iniciados em janeiro de 2008, o Federal Reserve aumentou a usual quantidade  dinheiro por um fator de três, e a inflação subsequente mal se mexeu. No ano em que a pandemia do coronavírus começou, essa mesma medida de oferta de moeda quadruplicou e a inflação ainda está para surgir.

Esses novos fatos levaram os macroeconomistas a correr para reformular modelos antigos. O mesmo aconteceu com a crescente percepção de que as novas políticas monetárias “não convencionais” pareciam funcionar, no sentido de ajudar a restaurar a estabilidade financeira e estabelecer um piso na profundeza das recessões. Em 2014, Ben Bernanke brincou que “o problema com a flexibilização quantitativa é que funciona na prática, mas não funciona na teoria”. Até agora, os macroeconomistas escreveram dezenas de artigos esclarecendo as condições sob as quais a flexibilização quantitativa funciona na teoria e na prática.

Martin Sandbu está convicto quando afirma que outra mudança está em andamento: uma consciência crescente de que os equilíbrios múltiplos deveriam ser uma preocupação crucial na elaboração de políticas. No diagrama padrão, se as programações de oferta e demanda se cruzam apenas uma vez, esse mercado tem um equilíbrio único. Se eles se cruzarem duas, três ou mais vezes, então múltiplos equilíbrios estarão em ação.

Isso também não é conceitualmente novo. A analogia politicamente incorreta do “concurso de beleza” de Keynes em sua Teoria Geral sugeria equilíbrios múltiplos. Em 1965, o economista britânico Frank Hahn publicou um famoso artigo argumentando que todas as economias monetárias têm mais de um equilíbrio.

As implicações práticas são enormes. Se houver mais de um equilíbrio viável, as expectativas podem ser autorrealizáveis: o pessimismo oferece resultados sobre os quais vale a pena ser pessimista, e a mudança pode ocorrer repentinamente e sem aviso. Os formuladores de políticas reconhecem cada vez mais esse perigo. Como Olivier Blanchard aponta, o risco de crises de confiança e endividamento é o contra-argumento mais importante para permitir o crescimento da dívida pública.

A determinação de evitar um equilíbrio ruim pode levar a um ativismo político quase revolucionário, como a promessa do então presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, em 2012, de que o BCE faria “tudo o que fosse preciso” para salvar o euro. Mas o risco de um pânico autorrealizável também pode exigir prudência política, não revolução. Se os reguladores se preocuparem com corridas aos bancos, exigirão que os bancos mantenham maiores reservas de caixa para cada dólar que receberem em depósitos. Se o indivíduo se preocupa com a corrida à dívida do governo, votará em políticos que defendem menos empréstimos e com prazos de vencimento mais longos.

Em sua canção homônima, os Beatles são céticos sobre a revolução:

“Vocês dizem que querem revolução Bom, sabe, a gente quer mudar o mundo Vocês dizem que é evolução Bom, sabe a gente quer mudar o mundo…”

Para a macroeconomia, eventos recentes sugerem evolução, não revolução. E é a evolução – a adaptação a novos fatos – que traz mudanças duradouras para o mundo.

*Andrés Velasco, ex-candidato à presidência e ministro das finanças do Chile, é reitor da Escola de Políticas Públicas da London School of Economics and Political Science. É autor de vários livros e artigos sobre economia internacional e desenvolvimento, e atuou no corpo docente das universidades de Harvard, Columbia e Nova York. 

Direitos Autorais: Project Syndicate, 2021. www.project-syndicate.org

Fonte: Revista Exame

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