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Rondônia, quarta, 24 de abril de 2024.

Exame

Liberdade de expressão, imunidade parlamentar e seus limites


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“Deveria receber uma medalha por fumar”, disse poucos anos atrás o radialista Rush Limbaugh, um dos maiores propagadores da falsa teoria de que o ex-presidente Barack Obama não teria nascido em solo dos Estados Unidos. Limbaugh era um fenômeno de audiência, com público cativo e influente no Partido Republicano. Preconceituoso, machista e conservador, disseminava fake news muito antes da internet. Foi um dos primeiros defensores da candidatura de Donald Trump à presidência em 2016.

O fumante Limbaugh morreu de câncer do pulmão aos 70 anos ontem, dia em que o Supremo Tribunal Federal manteve por unanimidade a prisão do deputado federal Daniel Silveira, do PSL do Rio de Janeiro. Há muitas afinidades entre os dois personagens, e diferenças fundamentais: a lei dos países onde nasceram e seus tribunais supremos.

O Estados Unidos prezam a liberdade de expressão e abrem as portas aos reclamantes para eventuais ações que só nos casos mais rumorosos chegam à corte suprema. No caso de uma mentira, como a espalhada sobre Obama, era só mais uma tentativa política de retirar legitimidade do candidato e depois do presidente norte-americano. Limbaugh recebeu uma medalha de Trump no ano passado.

No Brasil, alguns privilegiados têm imunidade constitucional para expressar e falar o que pensam, opinar e criticar os Poderes, e exercer com plenitude a delegação de poder do povo. Nem todos sabem o que falar, e foi por isso que no passado o país teve personagens como Stanislaw Ponte Preta e, hoje, lemos o pouco siso do Sensacionalista.

Apesar da imunidade, nem tudo é permitido aos parlamentares. A liberdade de expressão é limitada pela linha que caracteriza o crime. Usar os músculos para formular frases não é boa estratégia. Claro, a língua é um músculo, mas só executa a tarefa.

Ad terrorem, um exemplo do que o político não pode falar: se usar sua voz para pedir a um empresário uma soma em dinheiro para aprovar um projeto, isso é corrupção. É crime, puro e simples. Se ele ameaça ou agride verbalmente, é o mesmo. E foi assim que o Supremo entendeu a fala do deputado fluminense. Como o vídeo estava no ar há pouco tempo, flagrante.

Ao ser preso, o deputado falou tranquilamente às câmeras que a prisão seria revogada. Mostrou desconhecer as leis e seus limites. Ou talvez quisesse isso mesmo: ser preso para continuar a atacar o STF junto a um eleitorado cada vez mais ansioso para encontrar qualquer bode expiatório pela eterna crise nacional. Qualquer cálculo é possível no terreno do absurdo.

No plano do razoável, os presidentes de Poderes diminuíram a temperatura da crise. O presidente da Câmara, Arthur Lira, tratou de ouvir seus pares, tentou pontes com o Judiciário e manteve diálogo com o presidente da República, Jair Bolsonaro, que não entrou na bola dividida desta vez, depois de já ter, no passado, sido puxado para conflitos com os ministros do Supremo, que tomaram a decisão de manter a prisão com pouquíssimos adjetivos.

Daniel Silveira quase não teve solidariedade no Parlamento, até porque demonstrou pouco conhecimento histórico ao pedir a decretação de um novo Ato Institucional número 5. Quando esse instrumento foi usado pela ditadura militar, foi para fechar o Congresso. E mais objetivamente para cassar mandatos de deputados e senadores. Uma leitura rápida na Wikipédia teria evitado o erro, mas há quem prefira ouvir só a voz da conspiração.

Assim como Limbaugh negava os problemas climáticos e o efeito do cigarro, Silveira não mediu as consequências de suas falas. Atirou contra os pés de seus colegas de Câmara. Tornou-se um problema gratuito no início da gestão dos novos presidentes do Congresso. Evocou fantasmas e alimentou, com ignorância e desconhecimento, o ódio popular.

Livros serão inúteis para certas pessoas, mas o Google pode indicar alguns caminhos curtos sobre achar políticos que jogaram com esse sentimento negativo e o lugar que hoje ocupam na história da humanidade. A prisão pode ser apenas temporária, mas mostra a força de reação das instituições.

*Analista Político da FSB Comunicação

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Fonte: Revista Exame

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