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Rondônia, quinta, 25 de abril de 2024.

Exame

O governo brasileiro pode imprimir dinheiro para lutar contra a pandemia?


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Em poucas semanas, tudo mudou. A discussão sobre o ajuste fiscal estrutural entrou em banho-maria enquanto despontava o debate sobre como o Brasil vai financiar sua necessária reação à pandemia do coronavírus, tanto na saúde pública quanto na economia.

Foi o que aconteceu no mundo todo, já que o isolamento social recomendado pelas autoridades sanitárias atinge em cheio a receita de empresas e de trabalhadores. No Reino Unido, por exemplo, o governo se comprometeu em pagar 80% dos salários dos trabalhadores para impedir demissões.

Nos Estados Unidos, o pacote contra a pandemia soma US$ 2 trilhões – o maior da história. Na Alemanha, o total das medidas chega a 30% do PIB. Mas o país vinha de anos de rigorosa austeridade e tem margem de manobra – o que não pode ser dito da maioria dos países emergentes.

Por aqui, o ministro da economia, Paulo Guedes, fala em injetar R$ 750 bilhões (cerca de US$ 145 bi) na economia de abril a junho entre medidas já anunciadas e outras a serem divulgadas nos próximos dias.

Vale ressaltar que boa parte desse valor é em itens como adiantamento de décimo-terceiro para aposentados, por exemplo, e adiamento de prazos para pagamento de impostos além de liberação do compulsório de bancos e, portanto, não é exatamente um dinheiro novo que entra no mercado.

Nem aqui nem na China

Mas se a ideia é não poupar esforços nessa economia de guerra, por que o governo não imprime dinheiro? Afinal, o Brasil já fez isso por motivos muito menos urgentes, como no caso na construção de Brasília.

Embora pareça tentadora, a ideia não é cogitada nem aqui nem na China.

“Aumentar a dívida é mais fácil e aconselhável. O grande desafio é fazer com que esse dinheiro chegue até o mais pobre”, diz Marcel Balassiano, pesquisador da área de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da FGV (Ibre-FGV).

A previsão para o déficit primário do governo central no ano, que antes da crise tinha um limite de R$ 124 bilhões, já saltou para R$ 350 bilhões, afirmou nesta segunda-feira o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida. O rompimento da meta foi possível após a aprovação pelo Congresso do pedido de calamidade pública enviado pelo governo diante da pandemia.

Assim como a impressão da moeda, os déficits fiscais também aumentam a base monetária e, consequentemente, o volume de dinheiro em circulação na economia, mas de forma mais controlada e diluída ao longo do tempo.

“Toda moeda criada é uma dívida feita. A questão é que o governo quer carimbar quem vai pagar essa dívida depois”, diz André Perfeito, economista-chefe da Necton corretora.

O governo só chegaria ao ponto de precisar emitir dinheiro se perdesse sua capacidade de se financiar no mercado financeiro em meio a uma emergência como a que vivemos agora, explica o diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), Josué Alfredo Pellegrini. “É muito pouco provável que isso aconteça, poque outras ferramentas seriam testadas antes”, diz.

Uma saída

Para evitar que esse cenário se materialize, o governo prepara uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que dá mais poderes ao Banco Central em momentos emergenciais de aperto de liquidez. Por meio dela, a instituição poderá negociar livremente com o Tesouro, e sem a ajuda de intermediários, títulos da dívida pública e privada. Em última instância, esse poder permite que o BC financie a União, se preciso.

“Essa PEC pode preparar o terreno para um futuro próximo possível, no qual a necessidade de venda de títulos pelo governo será tamanha que pode ficar difícil de o mercado aceitar a dívida alta contraída pela União”, diz Pellegrini.

Por ora, porém, economistas concordam que o aumento da dívida é sustentável. “Só um lunático acharia que corremos um risco inflacionário nas circunstâncias atuais”, disse Pérsio Arida em artigo na Folha na semana passada.

Mais moeda em circulação no mercado, em tese, reduz o valor do dinheiro e coloca o aumento de inflação no radar. No entanto, a contração acentuada na demanda em função de consumidores confinados e mais contidos, somada à capacidade ociosa ainda alta da indústria, pode limitar a pressão nos preços.

“Ademais, estamos trabalhando com um horizonte muito curto. Se não vai criar um problema neste ano, não é um problema”, diz Pellegrini. A expectativa é que o contágio atinja um pico em abril e que a atividade começe a mostrar retomada em julho.

Para não perder o controle da situação, a ideia de Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, é criar um “orçamento de guerra” paralelo com todos os gastos relacionados com o combate ao coronavírus. O objetivo é definir o que é gasto excepcional e evitar que eles se perpetuem no tempo.

O diagnóstico é que a reação à crise de 2008, por exemplo, foi correta inicialmente mas fugiu do controle e que esse foi um dos fatores que desembocariam na crise fiscal e recessão de 2015 e 2016.

Da mesma forma, há uma percepção de que as taxas de juros e inflação historicamente baixas nos últimos anos tem o controle da trajetória fiscal, com o teto de gastos e reforma da Previdência, como uma de suas âncoras.

Fonte: Revista Exame

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