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Rondônia, sexta, 19 de abril de 2024.

Exame

Anvisa aprova uso de testes rápidos contra coronavírus. O que muda?


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Testar, testar, testar. Essa foi a recomendação do diretor-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), Tedros Adhanom, em discurso neste mês sobre como os países poderiam melhor combater a disseminação da Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus.

O diabo, como sempre, está nos detalhes. Em todo o mundo, faltam testes para identificar a presença do vírus nos seres humanos. Como nem todas as pessoas com sintomas conseguem receber um diagnóstico, a OMS já trabalha com a leitura de que há, em muitos países, uma subnotificação de casos.

Foi para lidar com este desafio no Brasil que a Anvisa, agência que aprova medicamentos e tratamentos no país, começou nos últimos dias a dar aval a novos tipos de testes para coronavírus. Foram aprovados na semana passada os primeiros testes chamados “rápidos”, que usam um tipo de tecnologia diferente da usada atualmente. Muitos conseguem mostrar diagnóstico em 10 minutos e exigem menos profissionais para operar o processo.

Na quinta-feira, 19, foram aprovados oito testes pela Anvisa, todos do tipo rápido — conhecido na nomeclatura técnica como imunocromatográfico. Nesta segunda-feira, 22, a agência publicou no Diário Oficial da União outras três aprovações. Dois são do tipo mais usado hoje no Brasil, o chamado biomolecular, e um do tipo rápido.

Só a mineira Eco Diagnóstica ganhou três registros, para três testes de modelos diferentes, embora todos sejam do tipo rápido. A empresa fabrica os próprios exames no Brasil, mas a tecnologia vem da Coreia do Sul.

Até a manhã desta terça-feira, 24, além da Eco, outras sete empresas haviam recebido autorização da Anvisa para comercializar seus testes de coronavírus no Brasil. A maior parte deles é fabricada fora do país. Além da Eco, obtiveram registros nomes como a suíça Roche, que fará o teste em suas fábricas no exterior e o trará para o Brasil.

Também ganharam aprovação da Anvisa empresas importadoras, que não fabricam os testes em si mas ficam responsáveis por trazê-los de fabricantes no exterior. É o caso das brasileiras Biocon e Celer (que importam da chinesa Wondfo), Medlehveson (que é importadora da chinesa Biotest) e Biomédica (que importa da espanhola CerTest Biotec). A mineira QR Consulting importará os testes dos Estados Unidos e a paulista Ebram também trará os testes da China, mas não informou o nome do fornecedor.

A empresa mineira Labtest também obteve aprovação da Anvisa, mas a EXAME não conseguiu contato com representantes da companhia que pudessem explicar se os testes serão importados ou de fabricação própria.

Como funcionam os novos testes

As novas aprovações da Anvisa podem ajudar a aumentar exponencialmente o número de testes disponíveis e tornar mais precisos os panoramas sobre o coronavírus no Brasil.

Os testes “rápidos” têm esse nome por um motivo. Em muitos deles, os resultados podem sair em menos de 20 minutos, e não é preciso uma grande análise laboratorial para que se saiba os resultados.

Todos são chamados de imunocromatográficos, mas podem ter especificações diversas. No geral, quase todos os aprovados no Brasil até agora funcionam com uma amostra de sangue, coletada rapidamente. A amostra é analisada em poucos minutos pelo aparelho que faz o teste (batizado de “cassete”). Após entrar em contato com um reagente, a amostra corporal pode apresentar níveis específicos de anticorpos, que o corpo produz para combater vírus como o Sars-CoV-2, nome oficial deste novo coronavírus. Se houver certa quantidade de anticorpos, é sinal de que o paciente está infectado. As empresas afirmam que a confiabilidade dos testes está acima de 90%.

Como demora algum tempo até que o corpo desenvolva anticorpos, o teste imunocromatográfico é indicado para estágios mais avançados da doença, após cerca de 8 ou 10 dias. O método também é capaz de identificar pessoas assintomáticas — o que costuma ocorrer sobretudo entre os jovens.

Já o teste biomolecular é capaz de detectar o vírus logo nos primeiros dias. Esse tipo usa uma técnica chamada clinicamente de Real Time — PCR, ou “em tempo real”, em inglês. O teste detecta se a amostra possui o material genético do vírus, o chamado RNA.

O biomolecular é o teste considerado mais seguro e preciso pela OMS, mas é também o mais complexo e caro de fazer. “É um método caro, especializado e demorado”, diz Gustavo Barra, coordenador de pesquisas do laboratório Sabin. “No entanto, é muito sensível e, portanto, confiável.”

Esses testes já vinham sendo desenvolvidos de forma caseira nos próprios laboratórios brasileiros. Por isso, puderam ser usados sem ter de passar pelo mesmo processo da Anvisa necessário para os demais. Da lista de novos testes aprovados, somente o da Roche e o da Biomédica (que é importado da Espanha) usam a técnica biomolecular.

Apesar de serem os primeiros na linha de frente quando a crise começou, os testes biomoleculares rapidamente começaram a acabar, como aconteceu em outras partes do mundo. O maior problema com esses testes, dizem os especialistas ouvidos pela EXAME, não é a demora em si, já que o procedimento pode ser feito em menos de seis horas. As barreiras estão na pouca quantidade de laboratórios com capacidade de realizá-los, pouca mão de obra qualificada para operar o teste e ler os resultados e, no fim, a pouca quantidade de material disponível — os chamados “kits” do teste.

De todos esses empecilhos, contudo, a falta de mão de obra é uma das principais questões. O teste da Roche, por exemplo, também é biomolecular, mas consegue ser até dez vezes mais rápido do que o tradicional, por ser automatizado e não necessitar de muita interferência humana. Antes de passar pela Anvisa, o teste havia sido aprovado pela FDA, agência regulatória nos Estados Unidos — o que fez a ação da Roche subir mais de 8% após o anúncio no último dia 13 de março.

Barra, do Sabin, aponta que o teste biomolecular não seria capaz de, sozinho, dar conta de uma pandemia. “A partir de agora haverá uma gama de tecnologias para detecção do vírus da Covid-19, a pandemia é um momento muito propício para inovações. Muita opções vão aparecer”, diz Barra. “Se estes testes [rápidos] se mostrarem sensíveis e específicos, eles são a única forma de testar em massa a população.”

Anna Luiza Szuster Seara, diretora de Relações Internacionais da Medlevensohn, diz que o teste rápido é mais fácil de aplicar e em torno de 70% mais barato que os biomoleculares. “O teste tornará o diagnóstico acessível, por exemplo, para postos de saúde”, afirma. A empresa, que já atuou junto ao Ministério da Saúde no combate a outros vírus, como o HIV, afirma que o mesmo teste de coronavírus da chinesa Biotest que está trazendo para o Brasil já foi vendido para mais de 12 países.

Os testes imunocromatográficos, portanto, podem ajudar a testar mais pessoas. Mas uma das pecularidades desse tipo de ferramenta, aponta o professor Tatsuya Nagata, da Universidade de Brasília, é o estágio de contágio, que pode alterar o resultado. “Caso a pessoa faça o teste rápido logo após ter sido infectada, por exemplo, o corpo ainda não terá produzido anticorpos”, diz. “No teste PCR, não há este problema.”

Além do exame que identifica anticorpos, a Eco conseguiu aprovar junto à Anvisa outros dois testes que identificam fases iniciais da doença por meio de uma metodologia chamada fluorescência. Ele consegue identificar o próprio antígeno, por meio de uma amostra nasal. O resultado sai em 30 minutos, segundo a empresa. 

O próprio professor Nagata está desenvolvendo um teste imunocromatográfico em seu laboratório na UnB. Sua equipe também trabalha em testes do tipo para o vírus da zika. “Para ter segurança de que o teste está adaptado a esse coronavírus, que é novo, estimo ainda mais uns quatro meses até que o material fique pronto”, diz.

Agentes fazem teste de coronavírus em motorista na Califórnia: faltam testes em todo o mundoBob Riha/Getty Images

Doações

A falta de testes vai ficando mais latente à medida em que aumenta o número de casos confirmados. O Brasil tinha até a noite desta segunda-feira, 23, mais de 1.800. No começo, antes dos 100 ou 200 casos, testar era mais fácil. Com o tempo, até mesmo laboratórios particulares e hospitais que atendem à classe alta começaram a restringir os testes apenas a pacientes com sintomas mais graves.

Estudo do Centro para Modelagem Matemática de Doenças Infecciosas da London School of Tropical Medicine estima que o Brasil pode ter cerca de 15.000 casos de coronavírus, mas o número não é confirmado porque nem todos foram testados e 80% dos casos seria assintomático.

Pressionados, governos estaduais e o governo federal anunciaram nos últimos dias a distribuição de milhões de testes. O presidente Jair Bolsonaro afirmou que o governo vai distribuir 10 milhões de testes, sendo 5 milhões deles enviados para os estados já neste mês de março. Boa parte deve ser do tipo rápido, segundo coletiva de imprensa do Ministério da Saúde.

Do total de testes do governo federal, 5 milhões serão doados pela mineradora Vale e comprados da China. O teste comprado será do tipo rápido, com resultado em apenas 15 minutos. A EXAME entrou em contato com a Vale para descobrir o fornecedor dos testes na China e as especificidades do produto, mas ainda não obteve resposta. A primeira remessa de testes, com 1 milhão de unidades, deve ser entregue pelo fornecedor à mineradora na China na próxima sexta-feira, 27 de março, e na semana seguinte chegará ao Brasil.

Outras empresas também anunciaram doação de testes. O frigorífico Marfrig doará 7,5 milhões de reais, o suficiente para 100.000 testes, segundo a empresa. A empresa não especificou o tipo de teste a ser comprado. A petroleira Petrobras vai doar 600.000 testes, 400.000 para o Ministério da Saúde e 200.000 para o estado do Rio de Janeiro, onde está a sede da empresa. Os testes serão do tipo biomolecular, como os usados atualmente em laboratórios brasileiros.

Foi possível que a aprovação dos novos tipos de teste pela Anvisa ocorresse já neste mês devido a um plano de emergência colocado em prática pela instituição e pelo Ministério da Saúde. A prática já havia sido adotada por outros órgãos de saúde no mundo, como a americana FDA e agências europeias. A tecnologia usada nos testes aprovados pela Anvisa também é já conhecida em todo o mundo. Países como Itália e China precisaram como ninguém lançar mão dos testes rápidos para testar em massa suas populações.

Teste da Ebram, de São Paulo: entre todas as empresas aprovadas pela Anvisa, mais de 8 milhões de testes podem chegar ao Brasil nas próximas semanasEbram/Divulgação

Quando os testes chegarão?

As empresas que tiveram testes aprovados pela Anvisa informam que, agora, estão em contato com órgãos públicos e laboratórios privados para a distribuição dos testes.

A Biocon vai comprar 200.000 testes da China, que devem chegar ao Brasil daqui a três ou quatro semanas. A Celer diz que a previsão é ainda incerta, mas que está trabalhando para trazer 1 milhão de testes em algumas semanas.

A Eco tem hoje capacidade produtiva de 40.000 testes por dia, o que levaria a mais de 1,2 milhão ao mês na fábrica de Minas Gerais. A empresa afirma que o material, que vem da Coreia do Sul, já chegou ao aeroporto de Viracopos, em Campinas (SP). “Porém, a malha aérea hoje encontra-se completamente defasada. Como a maioria dos insumos são importados, pode atrasar a nossa produção”, diz Fernanda Lamounier, gerente de assuntos regulatórios da Eco.

A Ebram, que recebe os produtos da China e os monta em São Paulo, afirma ter capacidade de 70.000 testes por dia – mais de 2 milhões ao mês. A perspectiva é começar a entregar os produtos na segunda quinzena de abril, 2. A Medlevensohn afirma que encomendou à fábrica da Biotest na China um primeiro lote de 100.000 testes, que deve chegar ao Brasil por via aérea, por volta do dia 3 de abril. Deve haver ainda um segundo lote de 200.000 unidades, e o número pode aumentar conforme a demanda.

Já a Roche não informou quantos testes pretende trazer, mas diz que está em contato com o Ministério da Saúde, autoridades e clientes no país e que “está comprometida em fornecer soluções em saúde para os mais desafiadores cenários do mundo e tem dedicado todos seus esforços para auxiliar, não só na disponibilidade de teste, mas dando também todo suporte aos clientes para maximizar seus processos laboratoriais.”

Carlos Gouvêa, presidente da Câmara Brasileira de Diagnóstico Laboratorial, estima que pelo menos outros dois ou três empresas devam entrar com pedido de registro junto à Anvisa nos próximos dias. Gouvêa acredita que mais de 8 milhões de testes podem chegar ao Brasil até meados de abril.

Fontes ouvidas pela EXAME elogiaram a ação da Anvisa, que classificaram como rápida e eficaz neste momento de emergência. Contudo, é também momento de cautela com os testes. “Como em tudo, podem existir testes ruins. E é alta a chance de termos um ‘falso negativo’” se os testes forem feitos no começo do contágio”, diz uma fonte do setor. Por outro lado, os especialistas em saúde concordam que seria virtualmente impossível ter testes biomoleculares para toda a população.

A CBDL informou que está fazendo uma parceria com a London School of Hygiene & Tropical Medicine de Londres e a Sociedade Brasileira de Patologia Clínica (SBPC) para monitorar a qualidade e performance destes testes aprovados no Brasil. O grupo usará tanto centros de excelência em diagnóstico no Brasil quanto em outros países, se necessário.

Vale lembrar, também, que mesmo os testes mais simples precisam ser aplicados em locais apropriados e com profissionais treinados – ainda que exijam menos mão de obra e tempo do que os testes biomoleculares. A CBDL e suas fabricantes e importadoras associadas vêm buscando parcerias com universidades, farmácias e laboratórios Brasil afora para usar estes espaços para aplicar testes.

“Temos mais de 16.000 laboratórios pequenos que poderiam fazer um papel de ajudar na aplicação dos testes. Eventualmente também farmácias que tenham um farmacêutico presente, o que são mais de 80.000 farmácias no Brasil”, diz Gouvêa. A associação também estuda uma parceria com a Universidade de São Paulo e startups parceiras em Ribeirão Preto, além da prefeitura local. “Espalhar estes testes em espaços de média complexidade no Brasil será essencial para conseguirmos testar quem precisa”, diz.

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